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Quadro negro

Visitação

17/05/2000 a 04/06/2000

Os quadros negros, esvaziados e à espera [o outdoor em que não se decifram mensagens ou o aparelho de fax que não as envia], evidenciam as lacunas e os lapsos dos nossos sistemas de comunicação.

Na série de fotografias que mostra nesta exposição, Caio Reisewitz aproxima dois espaços diversos: um dentro do museu e da universidade, outro fora de ambos. O Paço das Artes, duplamente resguardado pela aura do museu e por sua localização no campus da USP, é um local privilegiado para a apresentação destes registros fotográficos de lousas, tomados aqui e em outras partes da cidade, que Caio vem colecionando.
 
A eficiência do quadro negro consiste em propiciar uma superfície escura, rugosa e opaca, capaz de gravar em alto contraste uma quantidade de informação limitada (variando segundo as dimensões do quadro e os hábitos do usuário), porém incessantemente renovável. Sua eficácia reside em utilizar a equação exata entre a porosidade necessária para causar o atrito que desgasta o giz imprimindo seus rastros, e a deposição sucessiva das partículas de cal resultantes que garante a rapidez com que os rastros se apagam ao roçar do feltro. 
Nas fotos de Caio, os textos anteriormente presentes deram lugar a áreas vazias em que se vêem irregulares e suaves resquícios de branco, resultado do movimento do apagador sobre a superfície do quadro. As fotografias registram as variações de comportamento dessas partículas, as inúmeras e quase idênticas configurações que pode assumir esse resto de pó. Imagem única em que se transformam todas as teses e equações, palavras e números do mundo, depois de passar aos cadernos de uns e à memória. 
Por outro lado, esses quadros negros desprovidos já dos textos que abrigaram, voltam a ser o receptáculo infinito, como uma cornucópia ao contrário em que submergem, uma depois da outra e tantas quantas forem necessárias, cada uma das séries de dados que a alimentam, sem que ninguém as conte. O que Caio registra, nessas imagens uniformes, é esse intervalo em que o quadro negro evidencia-se como denominador comum entre as mais diversas instâncias da transmissão oficial de conhecimento, desmascarando a homogeneidade da superfície que precede e sucede toda e qualquer informação que lhe caiba conter. Os quadros negros de diferentes proveniências revelam, nesse lapso temporário, um ponto de tangência entre o espaço de dentro e o de fora, Caio, em suas fotografias, registra e mantém o intervalo, o mesmo que se vê dilatado nas lousas – objetos presentes aqui no espaço de dentro. Durante todo o tempo em que estiverem à espera, sendo vistas pelo público em pé, as lousas permanecerão suspensas, caladas entre a aula anterior e a próxima por muito mais tempo que antes. 
A presença do objeto referencial exposto ao lado dos registros fotográficos [assim como a possibilidade de realização de uma cópia idêntica ao original, para isso mesmo exposto] evidencia um movimento circular de contínuas inversões. O referencial externo se torna obra equivalente à foto a que deu origem [o original serve à execução de cópias mecânicas exatas cujo tempo de vida supera o do primeiro]. Essa cadeia de relações entre as engrenagens de que se compõe a sintaxe das práticas artísticas atua num circuito fechado de comunicação e linguagem. E não por acaso, os quadros negros, esvaziados e à espera [o outdoor em que não se decifram mensagens ou o aparelho de fax que não as envia], evidenciam as lacunas e os lapsos dos nossos sistemas de comunicação. 
Governo do Estado de SP