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Olhar de Laura

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14/06/2004 a 11/07/2004

Em uma sucessão de reflexos frenéticos, a obra de Cacá Bratke põe em jogo a constituição primeira do olhar e da identidade. “Olhar de Laura” apresenta-se como um paradoxo: o próprio título reúne o indiferenciado e o singular.

Em uma sucessão de reflexos frenéticos, a obra de Cacá Bratke põe em jogo a constituição primeira do olhar e da identidade. Ninguém se lembra, mas até os seis meses de idade somos incapazes de apreender imagens. A psicanálise nos ensina que a imagem que o bebê tem de seu próprio corpo, por exemplo, é toda fragmentada: os pequenos dedos que ele movimenta diante de seus olhos não lhe pertencem, mas o seio que o alimenta não pode ser senão uma parte dele. A etapa do espelho, como a conceituou Lacan, consiste no momento em que a criança se apodera de sua autoimagem. Ela se “olha no espelho” e se diferencia do resto do mundo. Muitos identificam a mãe, ou os olhos maternos, como o primeiro espelho do bebê, onde ele não vê a mãe nem o mundo, mas a si mesmo.

Esse estágio límbico, esses seis meses de absoluta indiferenciação, é o que a artista se propõe a materializar na série de fotografias impressas em silk screen sobre alucobond, material de alumínio composto utilizado para imagens revestimento de fachadas arquitetônicas. O jogo de espelhos pode ser projetado na biografia de Cacá Bratke: a filha que nascia, a matéria-prima de trabalho do pai. Mas o que interessa está além deste contexto: as imagens borradas e cinzentas de paisagens, pessoas e elementos vistos tão de perto que seriam abstratos não fossem os títulos (como trigo e bambu) possuem um estatuto primordial. A estrada é como muitas estradas que já vimos, ao mesmo tempo em que estranhamente nos parece a primeira delas; o banco vazio de parque poderia ser visto como um clichê imagético, mas de um modo misterioso oferece-se como um objeto fundante: o primeiro banco da história. O estágio do espelho chega. Uma identidade começa a se esboçar. O bebê e a mãe não são a mesma coisa, nem o mundo é uma extensão do nosso corpo. O espelho não é literal, uma vez que tudo é espelho, todas as coisas devolvem nosso olhar e comprovam que existe, do outro lado do espelho, uma singularidade. Olhar de Laura apresenta-se como um paradoxo: o próprio título reúne o indiferenciado e o singular. As imagens agregam a efemeridade de um borrão à permanência de uma estampa sobre uma potencial fachada de edifício. A lembrança impossível sobre a superfície imutável é como um espelho, que tudo engole, mas nada fixa. 
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