Visitação
14/04/2016 a 30/07/2016
O fio condutor da mostra é o processo de criação da artista.
Lenora de Barros vem construindo desde os anos 70 uma trajetória singular dentro do contexto da arte contemporânea brasileira. Transitando por diferentes linguagens e mÃdias suas experimentações nascem, muitas vezes, em diálogo com a materialidade da palavra no âmbito das questões colocadas pela poesia concreta, mas flertam também com a arte conceitual, a arte pop e o neoconcretismo.ISSOÃOSSODISSO apresenta mais de 20 obras da artista entre vÃdeos e fotoperformances, cartazes, poemas sonoros e documentos, e tem como fio condutor o processo de criação da artista. Neste processo, é possÃvel perceber um elemento comum: as obras de Lenora de Barros sempre se desdobram, gerando ecos em outras obras. Um texto escrito transforma-se em um vÃdeo. Uma performance se desdobra em uma videoperformance. Uma mesma imagem, uma boca entreaberta, um olhar assustado, aparece em diferentes trabalhos que se inter-relacionam.A obra de Lenora de Barros é um tornar-se permanente, em que o mesmo é sempre outro. Neste processo de tornar-se outro, onde isso é osso disso, é possÃvel entrever o gesto performático constituinte da obra da artista: esta fresta, este interstÃcio sempre lacunar, esta dobra que se desdobra — como diria Gilles Deleuze — onde as inúmeras possibilidades expressivas de algo estão em constante devir.O texto Há mulheres, por exemplo, apresentado pela primeira vez em sua coluna —…umas—, publicada no Jornal da Tarde, de 1993 a 1996, transforma-se em uma videoperformace,com o mesmo nome,em 2005. Uma mesma palavra, —silêncio—, pode ser vista escrita em sequências fotográficas em uma fotoperformance de 1990, mas também em um videopoema de 2006; ou ainda em uma performance realizada ao vivo como Pregação, em que a artista martela a palavra, letra por letra, na parede do espaço expositivo.O poema que dá nome à exposição nasce em 1994, quando Lenora de Barros participa de um congresso da Sociedade Brasileira de Psicanálise e apresenta, ao lado de Arnaldo Antunes, a performance O desejo é o começo do corpo/O corpo não mente. Durante a ação, Lenora quebrava um esqueleto de plástico em várias partes e ao jogá-las no chão repetia, melancolicamente, a frase: isso é osso disso.Em ISSOÃOSSODISSO, esta ação é reencenada em vÃdeo. A artista, sentada em uma cadeira —performática—- a própria cadeira, aliás, baseada em outras cadeiras presentes na obra de Lenora de Barros – quebra um novo esqueleto. Dele resta somente sua coluna, sua espinha dorsal, a última imagem da performance, que nos remete, sem dúvida, à obra LÃngua Vertebral, realizada em 1998 no contexto da Bienal da Antropofagia.—Para a Bienal, mergulhei no universo de Oswald de Andrade e criei dois trabalhos — LÃngua vertebral e No paÃs da lÃngua grande, dai carne a quem quer carne. O tÃtulo dessa segunda obra foi criado a partir da frase —no paÃs da cobra grande—, que está no Manifesto Antropófago e o intuito era expressar a ideia de uma ação antropofágica e deglutidora que gerasse sentidos, linguagem. Em LÃngua vertebral tratei graficamente a imagem da lÃngua, e dei a ela, através da sobreposição de uma espinha dorsal, uma estruturação—. Ela lembra, ainda, da influência de Lygia Clark, cujo trabalho teve contato na década de 1970, e do impacto que Baba antropofágica (1973) lhe causou na época.A lÃngua como sÃmbolo da linguagem aparece no seu Poema (1979), uma das primeiras fotoperformances de Lenora. Aqui a lÃngua da artista percorre as letras das teclas de uma máquina de escrever nos dando a ver não somente a gênese da prática poética, mas a relação indissociável do corpo da artista com sua própria obra: corpo-obra. à ali, na ação do corpo, de seu corpo que se submete à escrita e ao mundo que é possÃvel fazer dele emergir algum significado poético. A utilização do corpo, neste caso de seu rosto, também se faz presente em Homenagem a George Segal, poema visual realizado em 1975 — que se transformou dez anos depois em sua primeira videoperformance, sob a direção de Walter Silveira. Aqui Lenora desenvolve uma ação cotidiana de escovar os dentes. Sua mão e rosto, no entanto, são totalmente encobertos pela pasta de dente, em uma espécie de —paralisação— absoluta, paralisação que ecoa por toda a exposição seja na impossibilidade da fala ou na interdição do olhar: Ela não quer ver, Já vi tudo, Fogo no Olho, Calaboca, Silêncio, Estudo para Facadas…A obra de Lenora de Barros é um eterno procurar-se. Não por acaso um dos destaques da mostra é Procuro-me (2001-2003), publicado inicialmente no caderno Mais! (Folha de S. Paulo) logo após a queda das Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. Depois Procuro-me se transforma em uma série de cartazes, em mural lambe-lambe e vÃdeo. Quando exposta na fachada do Centro Universitário Maria Antônia em 2002, quatro cartazes plotados foram pichados e um grupo que se denominava Art-Attack assumiu a pichação. Em seguida, Lenora de Barros começa o processo de —recuperação—, ou melhor, de desdobramento dos trabalhos pichados e roubados de Procuro-me/Procura-se, que resultariam na série e mostra Retalhação.Em Procuro-me, temos a imagem de um rosto atônito de mulher repetido diversas vezes, como em um cartaz que busca fugitivos da justiça. O que muda em cada um dos cartazes era um penteado diferente. Ela era igual e diferente: era ela e outra. E no momento em que todos procuravam os autores dos atentados — seja do ataque à s torres gêmeas ou do ataque à sua obra — a artista se procurava e nesta procura a obra se desdobrava em um processo sem fim. Puro devir. Isso é osso disso.