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Circuitos Paralelos: Retrospectiva Fred Forest

Visitação

22/05/2006 a 17/07/2006

A exposição Circuitos Paralelos: Retrospectiva Fred Forest, com curadoria de Priscila Arantes, reúne obras de um dos artistas multimídia mais importantes do início da década de 1970.

Se existe mais do que um caminho para a corrente elétrica entre dois pontos, e se a tensão entre dois pontos também aparece através de cada caminho, então há um circuito em paralelo. Metaforicamente, pode-se dizer que um circuito paralelo simboliza a constituição de uma rede de conexões que tomam um caminho diverso em relação à trajetória de um circuito já estabelecido. Diz respeito a uma estratégia, a uma ação que, apesar de fazer uso dos mesmos mecanismos do circuito oficial, trabalha nas bordas, nos limites, nas extremidades, colocando em cena as deficiências e as fragilidades dos códigos aceitos pela sociedade. Diz respeito, também, à formação de redes, de ações intersubjetivas que se desenvolvem em fluxo contínuo e na efemeridade do tempo. Circuitos paralelos: retrospectiva Fred Forest conta com seis módulos que resgatam desde os primeiros trabalhos do artista, passando por suas intervenções realizadas na imprensa e em outros meios de comunicação, por suas ações desenvolvidas no Brasil, até chegar a seus projetos mais recentes de net arte. Apesar do grande número de obras apresentadas, bem como de sua diversidade temática, o eixo comum da exposição se desenha a partir da perspectiva dos circuitos em paralelo. Um olhar, dentre outros possíveis, sobre a obra deste artista pioneiro na arte midiática. Nascido na década de 1930, na Argélia, já em 1967, dois anos depois de Nam June Paik aparecer na cena artística com suas experimentações em vídeo, Forest apresenta A cabine telefônica, um dos primeiros trabalhos de videoarte desenvolvidos na França. Dois anos mais tarde, realiza, incorporando circuito fechado de televisão, a videoinstalação Interrogação. Situando-se na fronteira entre a criação estética e a experimentação social, e contando com uma vasta produção, Forest realiza projetos grandiosos e muitas vezes polêmicos, tais como A bolsa do imaginário (1982), O Território do M2 Artístico (1980), Investigação: Julia Margareth Cameron (1988), entre tantos outros.Suas ações geralmente incluem a apropriação de meios de comunicação, como o jornal, a TV, o rádio e a Internet, para criar circuitos paralelos ao circuito midiático instituído. Provoca, muitas vezes, ruídos e cria estratégias que subvertem e colocam em evidência os jogos ocultos da mídia. Mas não somente. A utilização dos meios de comunicação para Forest não diz respeito apenas a uma estratégia de resistência em relação aos discursos ideológico-midiáticos, mas antes aponta para o fato de que a nossa própria realidade se forja e se constrói a partir de redes, de vasos comunicantes que se estabelecem contextualmente. A arte para Forest é antes de tudo uma atitude; uma ação. Sua matéria-prima não é a tinta ou o pincel, mas a própria realidade. Longe de ser um objeto fechado em si mesmo, as ações de Forest são circuitos comunicantes, relações intersubjetivas que mimetizam a capacidade comunicativa da sociedade. Pode-se dizer que o método de Forest se assemelha ao dos neoconcretos. Constrói-se dentro de uma fenomenologia da ação que instiga o público a dialogar com a obra. Se partirmos do pressuposto de que a comunicação é a pedra de toque da organização social, podemos entender que dar ao público a possibilidade de fazer parte de suas ações, e não somente contemplar sua obra, é paralelamente levar esta ideia do campo da arte ao campo da experiência cotidiana. Isto é, significa postular a ideia de uma postura menos passiva por parte do público, diante do espaço da realidade social. Projetos como o Vídeo terceira idade (1973) são evidentes neste sentido. Fred Forest é um construtor de circuitos paralelos. Utiliza-se dos meios de comunicação, desestabiliza os circuitos instituídos, interfere na realidade, constrói espaços coletivos de intervenção. Ao fazer isto, ativa, ou como diria Walter Benjamin, produz uma faísca, um curto-circuito, uma iluminação profana que faz o indivíduo acordar e olhar para a realidade à sua volta. Participando de inúmeras mostras e exposições individuais e coletivas, como a Bienal de São Paulo (1973), a Bienal de Veneza (1976) e a Documenta de Kassel (1977), Fred Forest também é teórico e pesquisador. Nos anos 1970, junto com Hervé Fischer e Jean Paul Thenot, funda o coletivo de arte sociológica. Nos anos 1980 cria, com Mario Costa, os pressupostos da estética da comunicação: um dos primeiros movimentos teórico-conceituais a refletir de maneira sistemática sobre o emprego das tecnologias de telecomunicações como fonte de expressão artística. O contexto brasileiro

A relação de Fred Forest com o Brasil, por outro lado, é particular. Desenvolve uma série de ações nos anos 1970 e 1980, na época em que experimentações com novos meios, tais como vídeo, computador, xerox e serigrafias começavam a despontar no país. Sua participação na 12ªI e 14ª Bienal de São Paulo, com o Passeio sociológico ao Brooklyn (1973), Bienal do ano 2000 (1975), Autópsia da Rua Augusta (1973) e O Braco invade a cidade (1973) são algumas ações que marcaram a passagem do artista pelo Brasil. Em 1973, participa da 12ª Bienal de São Paulo a convite de Vilém Flusser —“ com quem, aliás, desenvolve o vídeo Os gestos nas profissões e na vida social (1972). Cumpre-se lembrar que esta Bienal, em plena época da ditadura militar, testemunhava uma febre de experiências derivadas do neoconcretismo e seus sucedâneos, interessadas em romper com a noção da obra estável contemplada passivamente pelo espectador 1. A ideia era estimular o público proporcionando a interação com os trabalhos propostos. O conjunto dessas obras, no geral instalações e ambientes de ações, foi reunido no segmento —œArte e Comunicação— daquela exposição, que contou, dentre outros, com projetos de Waldemar Cordeiro (1925-1973). Dentro deste segmento, Forest desenvolveu uma série de ações criando um circuito paralelo de livre expressão em uma época marcada pelo silêncio e pelos ditames ideológicos da cena política nacional. Uma de suas ações consistia em obter espaços em branco de jornais de grande circulação de São Paulo e do Rio de Janeiro para o público desenhar ou escrever mensagens.
Estes textos eram, posteriormente, incorporados na Bienal. Outra ação consistia em colocar telefones à disposição do público e amplificar o que era dito no local da exposição. O conjunto destas ações não somente revelavam uma tentativa de levar o público à Bienal, mas, ao mesmo tempo, de criar um circuito paralelo e expressão em uma época em que a liberdade de manifestação estava cercada.
Para além de situar-se no espaço confinado do museu e da galeria, as ações de Forest, muitas vezes, desenvolvem-se no espaço da realidade cotidiana, em circuitos paralelos, extramuros, postulando um questionamento de territórios estabelecidos, e utilizando a cidade como protagonista da manifestação estética. De certa forma, estas ações nos remetem ao programa político e estético dos Situacionistas, que defendiam a união da dimensão estética com a experiência social e política. Dentro desta perspectiva, vale lembrar O Braco invade a cidade (1973). A ação consistia em sair pelo centro de São Paulo – do Largo do Arouche até a Praça da Sé – simulando uma passeata com mais de dez pessoas carregando cartazes em branco. Centenas de curiosos aderiram à —œpasseata—, bloqueando o trânsito por várias horas. Forest foi preso pelo DOPS e a organização da Bienal e a embaixada da França tiveram que intervir em seu favor.
De maneira análoga, durante a VII JAC (Jovens Artistas Contemporâneos), em novembro de 1973, o artista organiza no MAC-USP o evento intitulado Passeio sociológico pelo bairro do Brooklin. Acompanhado de estudantes transportando seus assentos individuais e dispondo de um equipamento da TV Cultura, ele registrou os encontros do grupo com populares na rua e em estabelecimentos, criando situações de —œguerrilla vídeo— e diálogos inesperados para um estado de restrições à liberdade de pensamento. O incomum episódio de arte/comunicação foi vigiado pela polícia 2.
No Brasil, esta prática de transbordar o circuito institucional e levar a arte para as ruas não somente revelava uma ruptura com os territórios estabelecidos, em uma crítica evidente aos espaços confinados dos museus e das galerias de arte, mas, concomitantemente, ganhava um contorno militante de grito pela liberdade —“ seja ela estética ou política. No final dos anos 1970 e início dos 1980, grupos brasileiros realizaram trabalhos similares, tomando o contexto urbano como suporte de projetos artístico-midiáticos, como é o caso do grupo 3NÓS3 e Viajou Sem Passaporte. Circuitos de informação: inserções em redes midiáticas Tomando a Teoria da Informação como base de análise dos trabalhos de Forest, Mario Costa afirma que suas ações têm uma grande quantidade de informação exatamente por atuarem na contramão daquilo que se espera: —œLe concept de base de la théorie de l—™information affirme que la quantité d—™information contenue dans um signal est inversement proportionnelle à la probabilité du signal lui-même. Un signal prévisible et attendu possède une petite quantité d—™informacion alors qu—™au contraire,un signal inusité et inattendu possède une grande quantité d—™information 3—.
As ações de Forest operam exatamente com o imprevisível, com o inusitado, perturbando o circuito instituído. Os espaços em branco, desenvolvidos nos anos 1970 no jornal Le Monde, e repetido em outros jornais do mundo, a interrupção de transmissão televisiva durante 1 minuto (em canal francês, em 1972), A foto do telespectador (1976), as ações nas rádios, tais como as realizadas na Jovem Pan (1973), Télé-choctélé-change (1975) – um programa experimental de TV realizado a partir de comentários de objetos enviados pelos ouvintes – ou até mesmo Aprenda a ver TV com o seu rádio (1984) provocam ruídos no universo midiático, seja porque desenvolvem operações diferenciadas em relação ao que é habitual, seja porque permitem ao público participar das programações.
Como em uma espécie de ready-made, Forest cria circuitos paralelos, ações e interferências no meio de comunicação para colocá-los de novo em circulação. Exatamente por isso, provoca ruídos no circuito instituído, chamando nossa atenção para os mecanismos de produção da informação. Circuitos imaginários: dimensão antropológica
Muitas vezes as operações de Forest resultam em uma crítica manifesta ao poder de manipulação da informação e ao contexto ideológico-midiático. Projetos tais como A conferência de Babel (1983) e Fred Forest presidente da TV búlgara (1984) são evidentes neste sentido. Mas não apenas. Muitas vezes trata-se de estimular o público a participar ativamente – e não passivamente – do circuito de informação. Este é o caso de A bolsa do imaginário (1982), um dos trabalhos mais audaciosos do artista. Realizado no Centro Georges Pompidou (Paris, França), a idéia do projeto foi montar um contexto semelhante à de uma bolsa de valores, equipado com meios de informação (computador, vídeo, telefone e alto-falantes). Em vez de pregões proporem a venda e a compra de ações, a Bolsa de Forest propunha cotações de fatos (imaginários ou reais) enviados e escritos pelo público.
Em Investigação: Julia Margaret Cameron (1988), a ação consistiu em colocar durante várias semanas, em jornais e em outros meios de comunicação, notícias sobre o desaparecimento de uma personagem fictícia. O público era convidado a escrever sobre a personagem, ultrapassando a barreira entre o real e o imaginário.
Além de criar um circuito coletivo de informação, ambos os projetos instigavam a imaginação do público, colocando em cena o fato de que fazemos parte de uma sociedade comunicante. De certa forma, estes projetos nos remetem às experiências de Orson Welles, tais como o já histórico Guerra dos mundos (1938), em que ele simulou uma invasão de marcianos no planeta Terra. Mas, no caso das ações de Forest, não se trata apenas de denunciar o potencial e o poder de transmissão dos meios de comunicação, mas de criar, concomitantemente, situações em que o público possa dar voz a suas próprias simulações, a seus próprios circuitos imaginários, utilizando, para isto, os meios de comunicação. Circuitos comerciais: arte e mercado
Circuitos paralelos não operam apenas na dimensão de uma crítica às redes de informação ou da criação de feixes intersubjetivos de comunicação, como em Images – Memoire (2005), um trabalho de net arte que discute a memória coletiva através da criação de um banco de dados de imagens. Neste sentido, as ações de Forest se aproximam, muitas vezes, de questões intrínsecas ao debate da arte contemporânea. Questões que dizem respeito ao questionamento do espaço confinado do museu, do papel das instituições e do circuito comercial da produção artística.
Em 1979, Forest publica no jornal Liberation um espaço escrito —œcertificado do artista—. A ideia do projeto foi criticar o mercado e o circuito institucional da arte e se pronunciar em repúdio ao fato de não ter sido convidado a participar da mostra 10 anos de arte contemporânea na França. Em outra ação, Forest abriu um processo contra o Centro Georges Pompidou (Paris, França). O sistema do mercado de arte, diz Forest em entrevista ao Jornal de Brasília em 06 de dezembro de 1995, impôs uma forma à arte, estipulando valores. As instituições, como museus e galerias, acatam esse mercado de arte simplesmente, sem objeção. Fabricam, assim, os valores do que seja a arte. Cada exposição numa instituição dessas tem que, por lei, estipular um valor para a obra. Sabendo disso, Forest solicitou ao Centro Georges Pompidou o preço das obras de arte do artista Hans Haacke. Negaram. Ele então recorreu a uma comissão responsável por documentos administrativos (CADA) e o museu foi convidado a entregar os valores.
Território do m² artístico (1977) denuncia as práticas de especulação imobiliária e artística. Para tal, o artista, por meio da criação da Sociedade Civil Imobiliária do Metro Quadrado Artístico, publica anúncio de venda de terreno —œartístico— – de 1m² cada, com um total de 20m², situado no território da divisa com a Suíça – no setor de economia do jornal Le Monde. O artista foi convocado a responder, junto a entidades competentes, por fraude imobiliária, o que acabou interditando a comercialização das ações, levando o artista a vender, em uma espécie de leilão no Espaço Cardin do Hotel Le Crillon em Paris, o m² não artístico – telas em branco assinadas pelo artista.
Em todos estes projetos, o que se percebe é a paródia e a crítica aos mecanismos de operação econômica e mercadológica envolvidas no circuito da arte. Estas ações nos remetem a trabalhos como Árvore de dinheiro (1969), de Cildo Meireles, até mesmo ao Porco empalhado de Nelson Leirner. Pode-se dizer que estas ações se aproximam do pensamento de Jean Baudrillard, principalmente aquele desenvolvido em Le systéme des objets (1969) sobre as questões simbólicas de signo-valor de troca.
Estas ideias percorrem vários trabalhos do artista, desde aqueles desenvolvidos nos anos 1970, até os mais recentes, como os Territórios de redes (1996) e Parcela de rede (1996). Neste último, a ideia foi fazer, através da realização de um leilão durante a FIAC – Foire International d—™Art Contemporain -, uma paródia da propriedade das obras de arte nos meios digitais, a partir da venda de um trabalho de net arte. Retrospectiva Fred Forest
Trazer Fred Forest ao Brasil é essencial em vários sentidos. Em primeiro lugar, porque é um pioneiro na arte midiática. Revela, em sua trajetória, um olhar irreverente em relação aos mecanismos de produção da informação, que desembocam nas produções mais recentes de net arte. Por outro lado, tem um percurso particular na cena artística do país.
Apesar da cena nacional ser muito diversa em relação à primeira vez que o artista esteve no Brasil, desenvolver uma retrospectiva de Fred Forest em ano de Bienal —“ cujo artista homenageado é o neoconcretista Hélio Oiticica – e de eleição política, coloca-nos minimamente em sintonia, em um —œcircuito paralelo— semelhante ao que foi desenvolvido nos anos 1970. Circuitos paralelos: retrospectiva Fred Forest não somente olha pelo espelho do retrovisor – como diria Marshal McLuhan -, mas aponta para o futuro, no sentido de, através da obra desse artista, colocar em debate os pressupostos mais gerais da arte midiática na cena contemporânea. Notas:1 Catálogo da Bienal 50 anos: 1951/2001. Ed. Fundação Bienal de São Paulo: São Paulo, 2001. p164.2 ZANINI, Walter. Primeiros tempos da arte/tecnologia no Brasil. In Diana Domingues (org.). A Arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: FundaçãoEditora da UNESP, 1997.3 COSTA, Mario. De l—˜art sociologique à l—™esthétique de la communication. In Fred Forest: um pionnier de l—™art vídeo à l—™art sur Internet. L—™Harmattan, 2004. 
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