Visitação
10/07/2013 a 15/09/2013
Conheça a exposição do artista Rafael RG selecionada para participar da 3ª Temporada de Projetos 2013
Salvador, 26 de abril de 2013.Era julho.
Chovia, mas nos comportávamos como se estivesse sol.Me via em um estado de expectativa para, afinal, ver tudo de perto. Na arte, se possibilidade houver, deve-se entrar em contato, compreende?Um corpo a corpo efetivo.Então, talvez, ocorra um encontro fortuito, articule-se um diálogo. Esse jogo, depende, entretanto, de uma série de fatores, nem sempre previsÃveis, nem tampouco planejáveis.Por isso era importante estar ali, depois de tantas conversas feitas a priori.Aqueles oito trabalhos inéditos de Rafael RG pretendiam lidar com questões- chave ligadas aos conceitos da história: ficção, polÃtica e memória.Sintetizar dessa forma, porém, seria simplificar uma equação bastante complexa. Afinal, como bem deverÃamos saber, toda realidade é, na verdade, uma ficção.—Até que provem o contrário—. Sentença que dá nome a essa exposição.Subimos as escadas do Paço das Artes. Perguntei se estava contente com o resultado, me pareceu levemente distraÃdo, não respondeu. Eram fatos históricos especÃficos trazidos para o campo da arte. Transposição de documentos ditos oficiais, embaralhados a outros tantos, inventados pelo artista. Repetiu algumas vezes em nossas conversas o interesse que tinha de pensar o artista como historiador/arqueólogo, ressignificando fatos históricos.Embora compreenda essa afirmação, questiono, como ele transforma esse recorte em algo que possamos denominar arte.Vejamos o procedimento: em meio a infinitos momentos possÃveis, um fato ou situação histórica especÃfica age como disparador. Próxima etapa: pesquisa e, por último, a formalização que materializa o resultado. Ou ao contrário.As etapas, evidentemente, agem simultaneamente numa relação interdependente. à na pesquisa, porém, que, ao meu ver, esse vocabulário cria corpo. Perguntei se ele concordava comigo. Me explicou que sim, que valoriza seu método e seu repertório jornalÃstico, que vai numa busca implacável pela informação, e que considera certas fontes em detrimento de outras. Já eu, acredito muito numa força que arriscaria chamar de teimosia, o que ele chama de sorte. Me contou que visitou o arquivo do Estado quase que diariamente, numa persistência artÃstico-investigativa.Não cabe aqui discorrer sobre essa máquina compilatória de informações organizadas denominada arquivo, lugar de memórias singulares, paralelas, subterrâneas.Havia uma placa de acrÃlico remetendo à quelas colocadas do lado de fora dos stands de galerias em feiras de arte. —Stand— era uma estratégia sutil. Uma simulação. Na parede branca, um cartaz impresso com a seguinte frase: —Exposição com IPI reduzido—.Ontem, aqui em Salvador, entrei numa favela pela primeira vez. Não uma dessa pacificadas, nem turÃsticas, apesar da magnÃfica vista para o mar. Fui acompanhar o projeto de uma artista e quando me dei conta estava imersa nos caminhos tortuosos na companhia de um morador. Fica com medo não, ele me disse. Não estou, eu disse. Mentira.Enquanto caminhava ladeira abaixo, pensava sobre este texto que precisava entregar. Pensava sobre o IPI reduzido, via nas casas os inúmeros aparelhos de tvs , os fogões e geladeiras, apesar da falta de saneamento básico. Divagava ( provavelmente um exercÃcio contra o estado de pavor) sobre a presença viva da força opressora na memória desses corpos , no efeito da miséria na subjetividade de um paÃs, na fragmentação social gerada pelo sistema capitalista vigente, na consciência do outro, em como a arte, em eras pós- utópicas, deve funcionar como plataforma tátil de ação e conhecimento. Em como esse melindre ocasionado pelo sistema da arte pode ser fatal. Consciência social contra a beatitude dos modelos institucionais, contra a complacência a uma democracia corrupta. Gente fumando crack, cachorros, samba e pinga.IPI reduzido, uma nova classe de brasileiros representando um novo paÃs, rico e desenvolvido. Verdade? Ou mais uma maravilha construÃda pela mÃdia no processo de domesticação de uma sociedade massacrada pelo fetiche do consumo, através da esterilização do pensamento.à disso que se trata.O trabalho —PIB— é um gráfico de neon que representa a comparação entre o crescimento do PIB do Brasil com o do Reino Unido. Ironia em forma de luz colorida.Em —Estados Alterados—, na expressão original da bandeira do EspÃrio Santo —Trabalha e confia— foi acrescido —e se arrepende—. —Confisco— é composto por duas partes: uma peça sonora com o áudio original do discurso da ministra Zélia Cardoso de Melo ao anunciar o —Plano Collor—, e a exibição de notas de cruzados novos equivalentes ao valor do bloqueio, por 18 meses, dos recursos financeiros em conta corrente.A medida causou enormes transtornos à população.Encontro o sentido. São armas contra os apagamentos da memória. São ferramentas para desmascarar as realidades cosméticas. São holofotes colocados nas brechas, nos vazamentos, nas fissuras, sempre tão mascaradas pelas máquinas de poder.—Lembrança e esquecimento—, um crachá de uma Bienal futura, obra que também integra essa ficção.O que Rafael RG traz nas suas absurdas anedotas são gotas de vacinas para produzir um certo grau de imunidade contra a sociedade de controle e de consumo.São Paulo, 12 de maio de 2013.
Aproxima-se a data de entrega desse texto. A exposição, porém, acontece apenas em julho, possivelmente num dia de sol. Ou chuva.Nesse dia, outras questões importantes irão surgir.Mas isso é uma outra história.