Visitação
20/10/2000 a 12/11/2000
Em parceria com a comunidade da favela de Heliópolis a artista produziu um trabalho visando estimular em cada pessoa a posse da própria identidade a partir dos nomes, assinalando sua origem e conferindo distinção social.
Josivan, Charliane, Dejanilton, Francielma, Gleidiane, Karlene e seus colegas Giliard, Clebson e Keluir são jovens da chamada “geração Heliópolis”, nascidos ou criados na maior favela da cidade. Seus nomes surpreendem por serem estranhos, lembram os da ficção cientÃfica. A sonoridade insólita dos Vagnoel e Agdoeldon (notável a recorrência da letra L) torna difÃcil memorizá-Ios. O que significam? Perguntando a uns e outros, fica-se sabendo que são formas compósitas, mais das vezes produto da união de fragmentos tirados dos nomes de avós ou pais, mas também de artistas ou pessoas a quem se quer homenagear. O processo inventivo revela genealogias fundadas em vÃnculos afetivos. Enquanto os sobrenomes perdem importância, os nomes próprios assumem, aqui, dupla função: assinalar uma origem e conferir distinção social. Cada nome é único como único é o ser que identifica. Esse desejo de individuação pode bem ser convertido em vontade de cidadania.
Estimular em cada pessoa a posse da própria identidade, esse é o trabalho do qual Lilian Amaral participa, em parceria com a comunidade. Conhecer e conhecer-se só funciona em regime de troca, em mão dupla. Ela se deixa conduzir. O contato com as múltiplas “realidades” de Heliópolis – cerca de 80.000 moradores, dos quais 49% menores – acontece através de um grupo de alunos da Escola Municipal Presidente Campos Salles. Eles guiam seu olhar “estrangeiro” pelo labirinto de becos e vielas. A favela é um mundo. Na paisagem caótica, onde casa é “barraquinho”, há também locais “nobres”, com asfalto e fachadas de alvenaria. Há de tudo, gente e bichos. “Aqui todo mundo tem dono”, explica o frequentador do forró. Passarinho na gaiola, cachorro atrás do portão, grades. “Tem muito rato, mas não entram em casa porque tenho um bom gato, o Pelé”, —¨assegura um morador. O córrego entupido de lixo – verde bÃlis, latas e plástico acumulado – parece obra de Nuno Ramos. Roupas no varal recordam bandeirinhas de Volpi, enquanto os mocós de Oiticica estão em toda parte. No ar, uma feira sonora. Os alto-falantes dos carros competem em volume com o som que vem das janelas, dos botecos. Música é que não falta. A rádio pirata vai de Lobão ao pagode; na igreja apresenta-se o coral local e, certa vez, estudantes suÃços lá tocaram Bach. Nem só de bandidos e marginais vive a favela. As associações de moradores são fortes e o centro comunitário em construção vai ter até quadra poliesportiva
E isso é só o começo!
* Lilian Amaral foi artista convidada para a Temporada de Projetos 2000