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Século XXI: a harmonia na pluralidade

Pensando as instituições artísticas como instâncias de produção e difusão de conhecimento, a programação do Paço das Artes da 8ª Semana Nacional de Museus voltou-se para o desenvolvimento de ações que buscaram formar novos espíritos e novos olhares para uma das formas de expressão mais instigantes e profícuas de questões na atualidade: a arte contemporânea.Se o objeto artístico, no início do século 20, perdeu a sua —˜aura—™, conforme nos ensinou Walter Benjamin, e se, após os anos 1960, o mundo se viu despido das grandes narrativas legitimadoras das ações artísticas, como ditou o pós-modernismo de Lyotard, o museu pensado unicamente como depositário de obras de arte passou a ser insuficiente para dar conta da gama de manifestações artísticas surgida a partir dos anos 1970. A arte que passou a ser chamada de pós-moderna por muitos filósofos, historiadores e cientistas sociais, e que também foi nomeada de arte contemporânea pela historiografia, inseria-se numa movimentação de ideias que apontava para o desmantelamento de alguns ideários do Modernismo, para uma liquefação das certezas e ideais que o iluminismo, o marxismo e a psicanálise ofereciam antes como balizas.Mais do que atestados de óbito de formas artísticas, vimos surgir desde então uma série de manifestações que procuram entender esse mundo amplo, mas ainda opaco, que surge com mutações diárias diante da nossa retina e que, mais que isso, embaralha todos os nossos sentidos. Muitos artistas utilizaram suportes já existentes e mesclaram-nos para criar linguagens híbridas; outros caminharam ao lado das inovações tecnológicas e traduziram, a partir das mais criativas formas, a quase ininteligível linguagem binária do mundo da informática. Na arte contemporânea, o passado está disponível para ser reconfigurado em uma nova sintaxe e os artistas são aqueles visionários que não cessam de ressignificar de modo inédito situações antigas ou apontar novas possibilidades para aquelas que perderam a sua legibilidade.Diante desse cenário complexo de novas ideias e formas, os homens do final do século 20 e do início desse século 21 se deparam com o desafio de lançar-se nesse mar de novas proposições com o corpo aberto a novas experimentações e ao desenvolvimento de uma sensibilidade que não se reporte apenas à contemplação ou à análise dos elementos formais da obra de arte. O comportamento requerido pela arte contemporânea passa a ser cada vez mais de participação daquele que era chamado de espectador e de pesquisa interdisciplinar por parte dos artistas e dos teóricos (críticos, curadores, historiadores, filósofos, cientistas sociais etc).Não foi por acaso que o Paço das Artes, nascido em 1970, surgiu na capital paulista como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de novas formas de pensar a arte e o seu entorno. Situado em meio à Cidade Universitária, principal campus da Universidade de São Paulo, o Paço das Artes —“ ligado à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo —“ foi criado com o intuito não apenas de organizar e manter exposições de arte, mas, também, de promover conferências, cursos, palestras e audições; divulgar os assuntos ligados à área de sua especialidade e promover intercâmbios. E, pensando a arte como um organismo que está em constante desenvolvimento, organiza ações que buscam a formação de novos agentes —“ críticos, curadores e artistas −, principalmente ligados ao público jovem, além de manter um núcleo educativo —“ o Paço Educativo —“, que busca a criação de um forte elo com a sociedade e o desenvolvimento de atividades que consigam abrir as cabeças e os corpos para as diversas formas de sensibilidade que a arte contemporânea proporciona. É nesse espírito de cooperação com o desenvolvimento de respostas criativas às demandas que emergem na atualidade que o Paço das Artes marcou a sua participação na 8ª Semana Nacional de Museus, organizada pelo Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). Aderindo ao tema proposto pelo Conselho Internacional de Museus (ICOM) —“ Museus para a harmonia social -, o desafio foi promover um diálogo com a sociedade alimentado pelo encontro de pontos de vistas diversos sobre a vida artístico-cultural que nos entremeia. —œA participação do Paço das Artes na 8ª Semana Nacional de Museus consolidou as ações internas que estamos desenvolvendo neste ano em que o Paço completa 40 anos. O reposicionamento do Paço Educativo, que busca alcançar diversos públicos a partir de ações tentaculares, e a criação de um site que está retomando a memória desse importante espaço cultural brasileiro são exemplos de como o Paço das Artes se coloca diante dos desafios da contemporaneidade—, comenta Priscila Arantes, diretora técnica da instituição.Na abertura do Paço das Artes na 8ª Semana Nacional de Museus (18 a 22 de maio de 2010), Agnaldo Farias, curador da 29ª Bienal de São Paulo, abordou o tema Arte Contemporânea e Museu, numa palestra que também inaugurou o Diálogos Estéticos —“ 10 encontros sobre arte contemporânea. O projeto, desenvolvido pelo Paço Educativo, promove aulas sobre a relação da arte com diversos aspectos da sociedade contemporânea. Nos encontros, que acontecem até o mês de outubro de 2010, dois convidados, entre críticos de arte, professores, educadores e artistas, dividem a mesa e buscam ampliar a compreensão do pensamento artístico contemporâneo.Agnaldo Farias mostrou que a existência das instituições artísticas é imprescindível para a vivacidade do mundo. A seu ver, sendo o conhecimento artístico irredutível a qualquer outra forma de conhecimento, sua existência tem que estar garantida, sob pena de fazer desaparecer o elemento que pode ser considerado o definidor da essência humana: a possibilidade de criar linguagens. Como nos apontou Agnaldo, que outro modo de expressão é tão prolífero na criação de linguagens quanto a arte? Shakespeare, Cézanne, Velázquez, são, segundo sua ótica, exemplos interessantes de artistas que criaram formas inéditas de dizer o mundo que nunca poderiam ter sido ditadas por cientistas ou executivos. No mesmo dia, o público que assistiu à palestra de Agnaldo Farias pôde participar do lançamento do novo site do Paço das Artes, canal que busca um diálogo aberto e imediato do público com a instituição. Também participou de um importante lançamento: do livro do III Simpósio Internacional de Arte Contemporânea do Paço das Artes (2009), uma das ações de grande importância dentro de cenário nacional, já que traz para o Brasil parte do pensamento vivo e dos debates que existem no mundo sobre a arte contemporânea.Nos dois dias que se seguiram, a programação se voltou para os artistas e para o público que se interessa pelo processo de criação artística e pela crítica de arte. Na Maratona de Críticos, Cauê Alves, Carlos Eduardo Riccioppo, Duda Porto de Souza, Fernanda Albuquerque, José Bento Ferreira, Marcio Harum, Mario Gioia e Paula Braga realizaram leituras de portfólios ou de trabalhos de jovens artistas. Esse jovens críticos de arte participaram da Temporada de Projetos, projeto do Paço das Artes que, em seus mais de 10 anos de existência, possibilitou a emergência de mais de 160 artistas, quase duas dezenas de jovens curadores e críticos, recebeu mais de 3.500 portfólios e contabilizou 50 exposições. A cada edição, nove projetos artísticos e um projeto de curadoria são desenvolvidos e expostos com o respaldo da instituição.O Encontro com Professores trouxe o tema Arte e ensino —“ uma relação entre a escola e o museu. Stela Barbieri, curadora de educação da 29ª Bienal de São Paulo e diretora da Ação Educativa do Instituto Tomie Ohtake, e Mariza Szpigel, coordenadora de arte da Escola da Vila e coordenadora assistente de educação da 29ª Bienal de São Paulo, falaram sobre o ensino da arte na escola e as ações educativas nas instituições culturais. Encerrando a participação do Paço das Artes na 8ª Semana Nacional de Museus, o sábado à tarde foi dedicado ao público infanto-juvenil. No Paço Criança, foi programada uma visita guiada à exposição em cartaz, além de um circuito de oficinas para crianças e adolescentes de 06 a 14 anos. A Oficina Re-imaginação trabalhou as linguagens do desenho e da colagem; na Oficina Máquina de pintura a mão foi criada coletivamente uma pintura de grande extensão tendo como suporte o papel kraft ; na Oficina Vide-Vídeo, crianças e jovens criaram um típico cubo negro onde foram instalados uma câmera e um projetor, que possibilitaram a brincadeira com suas imagens projetadas; por fim, na Oficina Arquitetura elástica, os participantes, ligados entre si com grandes elásticos coloridos, foram convidados a intervir no espaço arquitetônico ao seu redor e a criar desenhos de plantas do espaço onde foi vivenciada a brincadeira.As experiências dessa semana de programação intensa voltada para um público bastante heterogêneo corroborou a ideia de que, para que haja uma harmonia social, devemos aprender a lidar com a pluralidade que caracteriza a sociedade das últimas décadas. O que se mostrava sólido se desfez em partes disformes demais para se crer em discursos únicos, formas definidas e regras estanques. A harmonia só pode se dar na tensão dos contrários, como já indicou Heráclito de Éfeso há mais mil e seiscentos anos.

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