Dentro do Corpo
De onde vêm as formas que se revelam no trabalho de Maria Luiza Mazzetto? A questão da origem das formas, de maneira geral, gerou ao longo da história elucubrações teóricas tanto no campo da estética como no das ciências naturais.
De acordo com as concepções epistemológicas vigentes em cada época, as formas artísticas foram compreendidas, ora como uma maneira de se aproximar mimeticamente do mundo metafísico das ideias, ora como uma possibilidade de investir a matéria de espiritualidade através do fazer estético, considerando-se a fatura da obra e a subjetividade do artista.
Segundo as teorias da formatividade, ao produzir objetos o artista se aproximaria da natureza não apenas por imitá-la em sua aparência externa, mas também por replicar seu poder gerador e formativo, povoando o mundo com seus seres artísticos.
Para a biologia, a formação do ser está ligada ao surgimento da vida a partir da transformação do inorgânico em orgânico e a seu desenvolvimento nos processos evolutivos. A compreensão da morfologia de cada ser poderia auxiliar a classificá-lo dentro de determinadas linhas filogenéticas que explicariam sua evolução. Um dos primeiros biólogos a tratar destas questões foi a alemão Ernst Haeckel, também conhecido por sua capacidade artística na produção de belas ilustrações naturalistas de seres marinhos e microscópicos. Em sua Teoria da Recapitulação, Haeckel afirmava que a “ontogenia recapitula a filogenia”, ou seja, as formas que surgem nos diversos estágios de desenvolvimento de um embrião se assemelham aos processos evolutivos pelos quais passaram as espécies até chegarem a seu estágio atual. Embora sua teoria tenha sido refutada cientificamente e Haeckel tenha sido acusado de ter falsificado os desenhos que comprovavam sua teoria, a ideia de que possuímos semelhanças com as outras espécies permaneceu em nosso inconsciente coletivo e as belas formas de suas ilustrações se popularizaram por suas qualidade estéticas e associações espiritualistas.
Mesmo sem conhecer anteriormente a obra de Haeckel, a artista Maria Luiza Mazzetto parece compartilhar com ele alguns de seus interesses, tanto formais quanto temáticos. Em seu mundo de formas orgânicas, entretanto, os seres não se deixam classificar como espécies, mas comungam de origens e morfologias semelhantes. Suas formas atravessam os reinos animais, vegetais e minerais, podendo gerar organismos híbridos ou transgênicos. Sem necessidade de comprovar teorias, o trabalho de Maria Luiza Mazzetto engendra livremente fabulações poéticas de corpos ao investir a matéria de vida e espiritualidade.
Há ainda em seu trabalho uma dialética entre o mundo interno e o externo. As vísceras dos corpos animais exibem-se ao lado das aparências exteriores de elementos minerais ou vegetais sem distinção. Suas esculturas são formadas por finas membranas que lembram peles envolvendo órgãos sem corpo. Essas epidermes, ao mesmo tempo em que seduzem o olhar e convidam sensualmente ao toque, causam também repulsa por lembrar organismos eviscerados e em crescimento.
O acúmulo de formas orgânicas em colônias e aglomerados sugere uma propagação, um desenvolver da vida em progressão. Mesmo que feitos de matérias inanimadas, seus trabalhos evocam um processo evolutivo de transformação. Na série de desenhos “Alho?”, por exemplo, isto é intensificado através da sequência de imagens que apresentam a transformação de uma espécie de planta em um ser indefinido, que não para de se modificar e crescer.
A origem das formas é tematizada também em seu vídeo, em que elementos vegetais surgem de dentro de um útero humano verde, em uma continuidade pulsante e viva. É, de fato, da vida que os trabalhos de Maria Luiza Mazzetto tratam, quer seja de um pulsar orgânico e natural, quer seja de um crescimento descontrolado de seres artificiais e híbridos. É neste devir nem sempre tranquilo da multiplicação e da coexistência interespécies em que estamos imersos, por dentro e por fora, que a artista busca encontrar a origem das formas ou a forma das origens.