—Romário, Zidane, Messi, Rivaldo—, quatro filmes de Rafael Campos Rocha Ao meu pai —Foi um belo jogo, os dois times jogando para frente, muito melhor do que aqueles jogos em que não acontece nada—. Como assim não acontece nada? Como se em pinturas abstratas, esculturas, vÃdeos ou instalações não acontecesse nada. Com certeza acontece muita coisa em Pollock, por exemplo. Ver essas coisas talvez não seja uma questão de percepção, mas de conhecer certa linguagem que chamamos de história-da-arte. A estrutura dessa linguagem parece estar oculta no caso da experiência estética tradicional. Porém em nosso tempo ela vem à luz, primeiramente com a busca modernista por —auto-definição—, logo em seguida com a apropriação (pós-moderna? contemporânea? pós-histórica?) do conceito filosófico de —consciência de si—. Soaria ingênuo dizer que nada acontece em jogos de futebol duros e táticos, sobretudo quando se conversa com alguém acometido pela —febre de bola—, como diagnosticou brilhantemente o escritor inglês Nick Hornby no romance que reconstitui a experiência filosófica de tomar consciência disso. Assim como soa ingênuo alegar indiferença com relação a certas formas de arte moderna e contemporânea, pois isso não seria de modo algum um juÃzo, mas sim a falta daquela linguagem, estrutura ou febre que deflagra alguma experiência. Que por sinal não é necessariamente benéfica, como descobre Hornby, ironicamente apelando para um estado de desinteresse que também é filosoficamente cifrado. Rafael Campos Rocha apresenta em seus —filmes— uma dessas jornadas em busca de auto-conhecimento. Com a ressalva de que a —febre de bola— é um lugar-comum entre nós, sul-americanos, uma espécie de doença endêmica. A operação de fato extraordinária seria a explicitação de uma condição muito mais rara, que podemos chamar de —febre de museu—: o amor dedicado, incondicional, o estudo apaixonado e rigoroso dos grandes temas da história da arte do passado e do presente, combinados com uma consciência exata e cruel do fim da história da arte como conhecimento objetivo, como algo além de narrativa. Tal drama subjaz à conversação calma, por vezes triste desses —filmes— que comparam grandes jogadores do nosso tempo com artistas difÃceis, mais famosos do que conhecidos. Inteligentemente, as referências trazidas do mundo da bola são recentes, enquanto as que provêm do mundo da arte são atemporais. Certamente o artista viu outros gigantes como Zico, Falcão, Careca e Maradona, mas eles pertencem à idade de ouro. Ele sabe que ela passou e que isso não é o fim. Então ele fala sobre a época do desencantamento tanto no futebol quanto na arte. Ele diz aquilo que nós já sabemos, que se pode admirar Zidane por sua técnica, mas que é preciso muito conhecimento sobre futebol para compreender a fundo sua genialidade. Mais importante do que isso, porém, o que não é tão óbvio: o mesmo vale para a arte. Assim me parece que ele não fala sobre arte para torcedores de futebol, ele fala sobre futebol para o mundo da arte. E ele diz que a arte não é como o confronto eletrizante de dois times desesperados e desorganizados, repleto de gols e emoção. Talvez isto seja entretenimento. Futebol de verdade não é assim, tampouco arte de verdade. A beleza do futebol está na pressão exercida por atacantes sobre a defesa adversária, está no contra-ataque armado por defensores. Não é explÃcita. A beleza da arte contemporânea está na conscientização de que a experiência do belo depende de um contexto, não vem do Ser, do EspÃrito Absoluto, da Mãe-Terra ou quaisquer ilusões metafÃsicas que se possa conceber. à preciso conhecer para gostar. Este texto foi publicado em inglês na edição de julho da revista eletrônica Interartive.