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Daniela Seixas: Notas sobre desenhos, escritos, relatos, cartões-postais…

Engenho de Dentro, Rio de Janeiro, setembro de 2011. Um estádio de linhas sinuosas se destaca na paisagem pouco verticalizada. Em um apartamento típico de classe média, num prédio isolado entre casas com muros baixos, quintais preenchidos por uma simpática confusão verde de vasos de plantas e árvores, pequenos estabelecimentos comerciais e um movimento de pessoas bastante tranquilo, Daniela Seixas trabalha. Diariamente, em uma persistente investigação sobre o desenho e a escrita.

A artista carioca nascida em 1984, com graduação e mestrado em artes na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), conversou sobre o processo poético que constrói cotidianamente a partir de coisas tão diversas quanto compras numerosas em papelarias e lojas de material de escritório, como o estudo detido da obra de artistas como Cy Twombly (1928-2011) e Mira Schendel (1919-1988). A entrevista faz parte do acompanhamento crítico do seu projeto de exposição individual no Paço das Artes para a 9ª edição da Temporada de Projetos, que se estende do dia 3 de outubro a 4 de dezembro de 2011 na instituição paulistana.

Como você entrou na área de artes visuais?

Daniela Seixas: Pela prática do desenho. No vestibular, apareceu aquela dúvida, mas pensei em uma coisa que eu fazia sempre. Pensei em estudar desenho industrial, mas optei pelas artes. Desde cedo copiava os desenhos das revistas da Turma da Mônica e pintava naqueles cadernos de colorir, de decalques. Ao terminar o ensino médio, entrei na UERJ. Lá, havia diversas disciplinas, propostas variadas. Testei outras linguagens, não só o desenho. Mas, ao final, à beira da monografia, veio a pergunta: qual era a minha questão? O que veio sempre foi o desenho e a sua relação com a escrita. Materiais como cadernos e o grafite também sempre estiveram presentes.

E as outras linguagens, te interessavam?

Daniela Seixas: Tudo entrou um pouco. Tive muita vontade de tentar gravura, mas não levei adiante a única disciplina que tive. Fiz algumas coisas de pintura, mas usava muito mesmo nanquim —“ que  também é desenho, ao menos para mim. Também aprendi sobre vídeo e outros suportes.

Na faculdade, quais foram os artistas contemporâneos que conheceu e considera referenciais?

Daniela Seixas: Destaco a Mira Schendel, o Cy Twombly e o Marcel Broodthaers. Uma linha de desenho mais processual. Os professores da UERJ foram muito importantes também, como o Rogério Luz, Leila Danziger, Malu Fatorelli e o Ricardo Basbaum, que trabalham muito o aspecto do texto, da escrita.

Quando montou o projeto para o Paço, a sua intenção era misturar bastante as linguagens, não?

Daniela Seixas: Percebi que todas essas linguagens não tinham divisão. O desenho e o riscar foram feitos desde o início do projeto, mas esse riscar contínuo da caneta logo se transformou num bloco de tinta. Com isso pensamos no que é o desenho, o que é a escrita. E, ao final, esse azul, essa massa de cor, isso também tem a ver com a pintura. Na verdade, pensar muito nas linguagens antes não importa tanto. O meu processo tem mais a ver com as descobertas, com os acidentes que acontecem e com o que mais me chamar a atenção.

Você esgarça os limites do desenho e cria novos desdobramentos…

Daniela Seixas: Comecei num bloco de papel, mas quis que crescesse, por isso fui experimentando. O papel ondulava. Peguei um fabriano para ver como ficava, mas o resultado não foi bom. Então percebi que precisava de um papel com a gramatura bem baixa. Quando vi que o branco do papel, preenchido depois de todo o processo, virava um grande azul, pensei em produzir um vídeo para registrar tudo.

No ateliê, que é a minha casa, as pessoas começaram a perguntar o que era esse barulho do riscar da caneta sobre o papel. O som era importante. O ato precisa de certa leveza para que o papel não rasgue, mas depois vira outra coisa, algo repetitivo. Pensei em situações para os desenhos, por isso os chamo de Mares para instalações. O primeiro projeto também tem um título nesse sentido, Mesa de afiar facas no mar.

Os desdobramentos tem a ver com as descobertas citadas antes. Sempre guardo papeis, pedaços de durex e outras coisas como se fossem anotaçõe. Meu ateliê é a gaveta, pois é lá que junto esses experimentos. Em Do mar condensado nas cartas, vídeo que apresentei no Novíssimos 2011 [na galeria Ibeu, no Rio], aconteceu isso também: caiu água em uma folha pautada e aquela linha ficou diluída —“ daí surgiu o trabalho.

Onde você compra o material para as suas obras?

Daniela Seixas: Onde qualquer estudante compra. Comprei fabriano para esse trabalho, mas ainda está tudo enrolado [risos]. Tenho alguns blocos mais simples, outros melhores… Não chega a ser uma bandeira, algo do tipo —œtenho que comprar materiais baratos ou precários—.

Mas você deve ter um encantamento quando entra em uma grande papelaria, não?

Seixas —“ Ah, sim [risos]. Às vezes compro um monte de coisas, mas não uso na mesma hora. Compro na Casa Cruz, na Kalunga. Adoro material de escritório, durex, elásticos.

No Paço, para o Projeto para mares, horizontes e afins, que une desenho, instalação e vídeo, fica patente essa importância das descobertas em seu processo, não?

Daniela Seixas: Sim. Alguns desdobramentos começaram depois de tirar fotos do desenho. Nas imagens, vi várias ondas e percebi que, se o observador mudasse o ângulo de visão —“ se ele pudesse subir em algo, por exemplo —“, teria a ideia de um horizonte ondulado.

Passei por uma situação parecida no Parque Lage, onde realizei um curso de aprofundamento. Planejei usar uma daquelas escadas de corda em uma instalação, para dar um aspecto náutico, de barco, ao conjunto. Mas, como não haveria sustentação para a escada de corda, escolhi usar uma de madeira. A escada possibilita uma nova perspectiva e é um objeto também. Tem a ver com um protótipo, algo um tanto absurdo, um protótipo para fazer mar, que ganha uma dimensão utópica também.

Em Ensaios sobre falésias, há uma discussão sobre a paisagem também.

Daniela Seixas: Sim, a partir das cargas que seriam descartadas, colocadas lado a lado. Percebi que sempre sobrava um pouco de tinta nelas —“ e a situação se ampliava, por causa do encontro da tinta com o papel. Os vestígios formavam essa paisagem, irregular, meio molhada. Tirei várias fotos e fiquei pensando se o trabalho seria apenas o registro fotográfico. Então percebi que também existe uma outra questão, algo com aquelas garrafinhas com areia colorida ou aqueles desenhos minúsculos feitos no arroz. Meio coisa de relicário mesmo.

Mas ainda fiquei pensando em como a instalação funcionaria no espaço. Como objeto, em cima da mesa? Não era o ideal.  Foi então que encontrei a solução das cargas juntas, fininhas, unidas, uma linha. Ficou mais interessante.

E as fotografias como cartões-postais, como surgiram?

Daniela Seixas: Com a ondulação que os desenhos ganham e as reproduções fotográficas, fiquei pensando em outra dimensão, a dos mapas de relevo, topográficos. Não poderia ser uma fotografia apenas por ter um azul bonito. Como pensar a ideia de lugar com esses elementos?  Foi quando surgiu a ideia do cartão-postal, como quando você está em um lugar, viajando, e quer mostrar esse local para outra pessoa. Também achei interessante ter só o mar, já que geralmente há o navio, a montanha, algum monumento da cidade. Nesse sentido, também é utópico. Por isso o título Monumento ao risco, para brincar com a ideia de postal, pensando no mar como um monumento.

Mario Gioia é graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo). Foi o curador, em 2011, de Presenças (Zipper Galeria), inaugurando o projeto Zip Up, destinado a novos artistas (que teve como outras mostras Já Vou, de Alessandra Duarte, Aéreos, de Fabio Flaks, e Perto Longe, de Aline van Langendonck, com a mesma curadoria). Em 2010, fez Incompletudes (Galeria Virgilio), Mediações (Galeria Motor) e Espacialidades (Galeria Central), além de ter realizado acompanhamento crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes. Em 2009, fez as curadorias de Obra Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (galeria Eduardo Fernandes). Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como as revistas Bravo e Trópico e o portal UOL, além da revista espanhola Dardo. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora) e faz parte do grupo de críticos do Paço das Artes.

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