Da paráfrase à fala direta – Iara Freiberg

Juliana Monachesi: A instalação das maquetes nos painéis expositivos e a montagem da obra de maneira geral trouxeram surpresas para você?

 

Iara Freiberg: Sim, ambas. A instalação em si, quando a vi pronta, me surpreendeu de uma forma que eu talvez já esperasse. Tive a surpresa evidente de um projeto desenvolvido totalmente de forma virtual tornado agora coisa física, tridimensional. Isso é surpreendente de qualquer forma, é impossível visualizar completamente um projeto desse tipo. Também tive uma surpresa buscada: a de ver pela primeira vez as minhas ideias, que em geral se mostraram sempre representações bidimensionais de questões da tridimensionalidade, desta vez levadas à realidade diretamente como formas tridimensionais.

 

Por outro lado, o processo de montagem me surpreendeu pela sua complexidade. O desenvolvimento técnico foi realizado por um arquiteto especialista em maquetes e por sua equipe, e exigiu um cuidado enorme desde os detalhes micro, dentro de cada maquete, até os macro, na montagem da sala, um trabalho quase de marcenaria especializada. Acompanhar todo esse processo e, pela primeira vez, não construir eu mesma o trabalho, foi uma experiência ótima, um aprendizado sobre trabalho em equipe, sobre confiança e sobre flexibilidade.

 

JM: O título da obra, Invasão, ecoa expressões comuns no noticiário quando o assunto é moradia (ou falta de moradia, para ser mais exata), que não tinham me passado pela cabeça nas primeiras vezes em que conversamos; o título tem alguma conotação política? E em que sentido?

 

IF: Essa relação já acontecia na série de trabalhos anterior, Ocupação, justamente com uma conotação muito próxima àquilo que você se refere aqui. Não vejo nesses títulos um sentido estritamente político, mas sem dúvida existe uma provocação, algum dado extra que completa o trabalho, que leva a pensar que aquilo exposto fala de algo mais. A questão da moradia existe tanto nos títulos quanto nas obras em si, talvez não com relação às questões cotidianas e aos problemas de moradia na cidade, mas certamente há neles a discussão da ocupação da arquitetura, e isso também é a moradia, o uso dos espaços, as relações que estabelecemos com eles, as escolhas de ocupação.

 

JM: Mesmo que não tenha relação com invasões do movimento dos sem-teto, a obra tem, sim, relação com a arquitetura, e mesmo com toda uma tipologia básica de espaços arquitetônicos interiores; de que maneira a instalação pretende se relacionar com o corpo do visitante?

 

IF: Parte dessa questão já está respondida na pergunta anterior. A questão do visitante, a quem talvez pudéssemos chamar aqui de ocupante, é um dos dados importantes do trabalho; este só existe a partir do momento em que se estabelece a relação com quem olha. Há no trabalho referências que eu em geral utilizo, como desenhos de espaços ortogonais, brancos, desérticos, ascéticos. Mas talvez, neste caso, uma das questões mais fortes e importantes seja a relação de dimensões: o trabalho descreve um labirinto em miniatura que pode ser percorrido apenas com o olhar, embora o visitante seja projetado para dentro dessa arquitetura virtualmente. Isto estabelece novas relações, como a do voyeur e aquela que você mesma colocou no seu texto: a visão aérea, que também projeta o visitante para fora do trabalho. A tensão entre ser jogado para dentro e para fora do trabalho ao mesmo tempo provoca uma vibração constante, que faz com que seja quase impossível dar conta da obra, no sentido de abrangê-la por completo.

 

JM: Modificar espaços arquitetônicos é uma aposta presente em boa parte de seus trabalhos. Entretanto, houve uma guinada dos projetos que consistiam em simular perspectivas inexistentes no espaço por meio de desenhos nas paredes, para esta construção de um outro espaço embutido nas paredes: como foi o processo de pesquisa e reflexão que levou você de uma coisa a outra?

 

IF: Por um lado, continuo falando da invenção de espaços “inexistentes” ou “impossíveis”, mas desta vez saí da representação bidimensional, perspectiva, e entrei no próprio espaço, integrando, tornando o espaço em torno e a obra uma única coisa. O primeiro passo foi a vontade de sair da representação, de falar do espaço tridimensional usando as suas próprias palavras, em vez de parafraseá-lo. Isso gerou dois rumos diferentes: as Infiltrações, ainda linhas áreas estampadas nas paredes, embora já sem ser um desenho, uma representação, mas sim surgindo, brotando de dentro da própria arquitetura; e a Invasão (esta é a primeira versão), onde, em vez de fazer brotar marcas de dentro para fora da arquitetura, começo agora a construir eu também arquiteturas dentro e fora do real. O maior desafio foi deixar de usar a ilusão ótica, ou de profundidade, que me era tão familiar na construção das perspectivas, para começar a usar as formas mais “físicas”, as construções no espaço e entender seus códigos, novos para mim. Acho que fui me familiarizando bastante rápido e agora me sinto bem à vontade com eles.

 

JM: Qual a relação entre o seu trabalho e o de outros artistas que lidam com a construção/simulação de espaços arquitetônicos, como Regina Silveira, Eduardo Coimbra ou Adriana Varejão? Quais outros nomes você incluiria neste diálogo?

 

IF – Há, em meu trabalho, um grande diálogo e uma fortíssima influência de obras de De Chirico, Matta-Clark e os minimalistas em geral, Olafur Eliasson e Anish Kapoor, também alguns artistas que estão trabalhando hoje com as questões da perspectiva e das transformações do espaço arquitetônico, como o suíço Felice Varini e o argentino Augusto Zanela. Da minha experiência argentina também trouxe artistas como Leandro Erlich, Pablo Siquier, Leila Tschopp e Marcela Sinclair. E, no Brasil, artistas como Regina Silveira, Ana Tavares, Adriana Varejão, Daniel Senise, Laura Vinci, Rubens Mano e alguns dos meus contemporâneos, como Laura Andreato, Débora Bolsoni, Nicolás Robbio, Patrícia Osses, Fernando Vilela, entre muitos outros.

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