Visitação
13/07/2009 a 13/09/2009
Michel apresenta trabalhos em vÃdeo, fotografia e uma performance, todos eles em torno do princÃpio de —Porta das Mãos—: gesto de encostar os dedos de uma mão na outra e a partir daà construir inúmeras formas.
Na direção contrária à da pressa a que somos submetidos diariamente, caso nos deixemos dragar pelo ritmo exterior ofertado pelo mundo de hoje, Michel Groisman cultiva lentamente cada um de seus trabalhos, fazendo do tempo um aliado. A exposição —Vitrais do Coração—, apresentada no Paço das Artes, é mais um exemplo desse vÃnculo. Desde 2005 o artista vem experimentando possibilidades deflagradas por um único gesto: o de encostar os dedos de uma mão na outra e a partir daà construir inúmeras formas. Gesto ao mesmo tempo simples e complexo, ao alcance de cada um de nós. Este ato, intitulado —Porta das Mãos—, parece-me ser uma daquelas pequenas epifanias que mora nas entrelinhas do cotidiano, mas que o hábito tem o poder de velar, fazendo com que deixemos de notar sua possibilidade. Fazemos com as mãos, diariamente, um uso já catalogado, ou seja, as utilizamos para abrir uma porta, por exemplo. Mas não temos olhos para vê-las, as mãos, como portas. Essa é a inversão primeira e fundamental provocada pelo artista. Em —Vitrais do Coração— são apresentados trabalhos em vÃdeo, fotografia e uma performance, todos eles em torno do princÃpio de —Porta das Mãos—. No momento em que escrevo este texto os vÃdeos e as fotos ainda não estão finalizados, mas sobre a performance sou capaz de imaginá-la, a partir de sua descrição. No Paço das Artes, Groisman utiliza uma peça adaptada ao seu plexo cardÃaco por meio de elásticos. Esta peça tem uma pequena lâmpada no centro, conectada a um pedal que controla a intensidade da luz. Deste modo, o artista escolhe a quantidade de luz que emana de seu peito. No espaço de uma sala estão posicionados dois bancos. O artista convida alguém do público para sentar-se em um deles, encostado em uma parede, enquanto ele próprio se senta em um outro, localizado no centro da sala. O artista e outra pessoa estão, agora, frente a frente, com o restante do público ao redor. Neste momento, Groisman constrói uma forma com as mãos, posicionando tal forma diante da lâmpada apagada frente ao peito. Gradualmente, controlando o uso do pedal, a luz se acende, o que faz com que a sombra da forma seja projetada sobre a pessoa sentada. Estes são os fundamentos da performance, que ainda não ocorreu enquanto escrevo e poderá sofrer uma ou outra pequena alteração. Mas pensemos no que está em jogo nessa proposição. A questão do contÃnuo me parece estar presente neste e em quase todos os trabalhos do artista. Aqui, o contÃnuo, a vontade de prolongamento, se dá entre duas mãos, o que eram dois, torna-se um. Que por sua vez é múltiplo, são inúmeras as formas possÃveis com a simples união entre os dedos de cada mão. Tal estado de conexão é, nessa performance, expandido até o outro. Há aà um equilÃbrio sutil entre previsibilidade e acaso. As formas trazem consigo uma permanência, um sentido de controle; a presença do outro e suas inúmeras possibilidades de reação quebram esta regularidade da forma, abrindo caminho para o acaso. Se as mãos e o coração estão no centro desta proposta, lembremos que ambos, para além dos seus sentidos utilitários maiores, trazem consigo inúmeras repercussões de ordem simbólica ligadas à vida. Os trabalhos do artista, desde o seu inÃcio, ao privilegiarem uma dimensão da continuidade, da transmissão, do contágio que propaga luz, fluxos, findam por colocar em movimento uma engrenagem de natureza vital.Em —Vitrais do Coração—, as mãos de Michel e suas formas não pegam ou apanham, mas somente pousam levemente como uma sombra no peito/coração de cada um. Aproximado-se mais do gesto de tocar do que de pegar. Trata-se de uma economia da delicadeza dedicada ao outro. O que me faz recordar algo dito por uma escritora certa vez: —… Pois nem tudo eu quero pegar. Ãs vezes quero apenas tocar. Depois o que toco à s vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos—.