Tatiana Blass

Visitação

20/06/2006 a 07/05/2006

Páreo remete-nos à paisagem. Mas aqui há apenas um índice do animal, pois uma espécie de linha do horizonte elimina a maior parte do seu corpo. Assim, cabe ao visitante, mais do que inferir o dorso do cavalo, completar o entorno e relacionar o o trabalho com o local em que está colocado

Em 1948, prestes a inaugurar uma grande exposição no Museu de arte da Filadélfia, Henri Matisse, em carta para o então diretor da instituição, Henry Clifford, manifestou preocupação com a suposta ausência de dificuldades de sua pintura: —œSempre tentei ocultar os meus esforços, sempre desejei que minhas obras tivessem a leveza e a alegria da primavera, que nunca nos permite suspeitar o trabalho que custou. Por isso, receios que os jovens, vendo em minha obra apenas uma facilidade aparente e negligência no desenho, se sirvam disso como desculpa para evitar certos esforços que me parecem necessários—. Se pudéssemos incluir Tatiana Blass entre esses jovens, o receio do mestre teria sido em vão. Sua pintura, apesar do frescor e da delicadeza, possui um rigor formal que deixa evidente o emprenho que exige. Não há, por parte dela, qualquer tentativa de recorrer a atalhos ou chegar à primavera sem antes atravessar a severidade do inverno. As várias camadas de tinta sobrepostas jamais dissimulam o esforço da artista, mesmo que o resultado tenha a aparência geral de uma paisagem cujos contrastes cromáticos estejam apaziguados, e isso vale inclusive para as cores mais berrantes. O seu esforço é no sentido de acomodar e aquietar massas diversas de cor do melhor modo possível, ou seja, encontrar intuitivamente certo acordo cromático que estruture o trabalho. E essa tarefa é cumprida ao mesmo tempo em que seu trabalho ganha densidade. Embora a pintura seja algo onipresente na trajetória da artista (inclusive, nas pinturas recentes, as relações tonais são mais valorizadas e dependem, cada vez menos, de um fundo neutro que o branco tendia a se tornar), nos últimos tempos, novas experiências, notadamente trabalhos tridimensionais, têm lhe interessado. Páreo —“ escultura de mármore em que quatro patas de cavalo, em tamanho real, descem as escadarias do Paço das Artes —“ remete-nos, assim como muitas de suas pinturas, à paisagem. Mas aqui há apenas um índice do animal, uma vez que uma espécie de linha do horizonte elimina a maior parte do seu corpo. Assim, cabe ao visitante, mais do que inferir o dorso do cavalo, completar o entorno e relacionar o trabalho com o local em que está colocado. Já a operação feita em Espartilho é diversa, em vez de seccionar a paisagem, há uma espécie de desafio à lei da gravidade. Trata-se e quatro plataformas de diferentes espessuras e a alturas, apoiadas em estruturas de madeira, que levam os galhos de uma goiabeira no canteiro central da Avenida da Universidade. Mais do que aludir a uma paisagem ou representá-la, a artista interfere diretamente na natureza. O —œfundo— sobre o qual o trabalho pode ser percebido é a própria Cidade Universitária, mas só haveria essa percepção se o trabalho não se disfarçasse entre as árvores para evitar um assédio direto. A estrutura que agora sustenta a copa da árvore —“ assim como a cinta que comprime o abdome e a cintura da mulher para deixá-la mais esbelta —“ não poderia ser evidente e, por isso, a pintura verde o camufla. Mas é certo que a goiabeira, segundo um determinado padrão —“ que talvez não seja o predominante em nosso tempo, nem comum para uma árvore —“ está agora mais elegante. Todavia, a elegância desse trabalho diverge das técnicas de Photoshop ou lipoaspirações tão comuns nos dias de hoje. É uma elegância altiva, de um momento determinado, que busca, em vez de podar a natureza, modelá-la provisoriamente e, por isso, talvez seja essa uma beleza fora de moda, ou melhor, que se recusa a estar sempre na moda. Desse modo, o projeto de Tatiana Blass, se, por um lado, também oculta as próprias dificuldades do seu fazer, permite-nos ampliar o receio de Matisse: mesmo que não traga exatamente uma alegria da primavera, o trabalho não faz concessões e exige um esforço também do público. 
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