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Projéteis

Visitação

11/03/1999 a 03/04/1999

Na obra da artista não existe uma separação entre os desenhos e os objetos. Longe de ser apenas esboços ou projetos são etapas de um processo de desencadeamentos em que um desenho leva a um objeto, que por sua vez leva a uma instalação que pode levar novamente a um desenho.

Reunidos pela primeira vez, os mais de 300 desenhos feitos por Carmela Gross desde 1978, revelam o movimento circular existente em sua obra. Muitos deles são a gênese de objetos e instalações em sua carreira. Outros são desenhos esquemáticos de espaços onde a artista realizou exposição. 
Na obra de Carmela Gross não existe uma separação entre os desenhos e os objetos. Longe de ser apenas esboços ou projetos – ou ainda obras encerradas em si mesmas – são etapas de um processo de desencadeamentos em que um desenho leva a um objeto, que por sua vez leva a uma instalação que pode levar novamente a um desenho. Paradoxalmente, os desenhos são às vezes registros daquele momento de suspensão na criação – sem o controle racional -, outras vezes eles traçam um plano preciso daquilo que será construído. Eles se multiplicam e criam um movimento de desdobramentos infinitos. Realidade e projeto parecem alternar-se sem nunca chegar a uma definição. Desenhos que intencionam reproduzir uma visibilidade do real, convertem-se em projeções do real. Feitos em séries, percebe-se a itinerância de uma unidade formal de um desenho a outro, algumas vezes de uma série a outra, e de desenhos a um objeto.
Os desenhos reunidos permitem entender que a racionalidade presente na obra de Carmela Gross – em grande parte herdada das preocupações conceituais dos anos 70 – é balanceada por uma perda do controle racional. É desta forma que a artista ultrapassa o aspecto formal de seu trabalho sem, no entanto, abandoná-Io. Sua obra desenvolve-se em movimentos circulares em que a racional idade e a perda de controle alternam-se continuamente como numa espiral. 
A circularidade presente em sua obra permite abordá-Ia sob a perspectiva do barroco, não o barroco histórico, associado à tensão entre opostos irreconciliáveis, mas de uma filosofia barroca que vem servindo de modelo de análise de manifestações artísticas contemporâneas. Esta filosofia barroca dissociou o barroco da noção de artificio, de teatralização, de saturação e trouxe a possibilidade de pensá-Io em termos de função operatória (1), de uma atitude generalizada (2), de um abandono das características de ordem e simetria (3), de um modelo de articulação interna de elaborações (4), de um sistema cultural (5). 
Em A Dobra, Deleuze fala da possibilidade de uma “arte total” ou uma unidade das, artes: um trânsito ou fluidez entre diferentes linguagens que possibilita uma expressão que é um “entre”. Dobrar-desdobrar; envolver-desenvolver são constantes dessa operação, barroca, que gera um movimento em círculo. 
Esta exposição instiga portanto uma leitura renovada da obra de Carmela Gross, uma leitura que possa ultrapassar a questão da herança conceitual e que proponha uma amplitude. Marca também a primeira incursão de Carmela Gross na área de vídeo. Da série de desenhos Hélices, que se desdobraram na instalação de mesmo nome apresentada no MAM do Rio de Janeiro em 1993, Carmela desenvolveu o vídeo homônimo. O vídeo coloca o espectador diante de hélices que se movimentam em círculos, incessantemente, criando um espaço hipnótico de percepção que reproduz o movimento na obra da artista. Estão lá referências aos desenhos e aos objetos, que alimentaram mais este desdobramento. 
A curadoria da mostra teve como principal objetivo facilitar o acesso do espectador a estes desdobramentos na obra de Carmela Gross. Das 35 séries de desenhos, foi escolhida Ilhas para mostrar como os mesmos desdobram-se num objeto, por exemplo. As demais séries são apresentadas numa instalação, expostas em um único painel, que possibilita a análise conjunta das séries. 
Notas:

(1) No livro A Dobra – Leibniz e o Barroco, de 1988, Gilles DeIeuze argumenta que os escritos de Leibniz, principalmente A MonadoIogia, constituem as bases de uma filosofia barroca e de teorias para se analisar as artes e a ciência. O conceito de mônada desenvolvido por Leibniz é visto por DeIeuze em termos de dobras no espaço e portanto abrange questões de movimento e tempo. Segundo DeIeuze, Leibniz teria antecipado o conceito contemporâneo de evento e também de História como sendo uma combinação multifacetada em movimento que se desdobram infinitamente.

(2) Severo Sarduy, romancista e ensaísta cubano, define o barroco não como um período específico da história da cultura, mas como uma qualidade formal dos objetos que o exprimem. Neste sentido pode haver barroco em qualquer época. Em seu livro Barroco, Sarduy diz interpretar e praticar o barroco enquanto apoteose do artifício, enquanto ironia e irrisão da natureza.

(3) Gillo Dorfles, em O Barroco na Arquitetura Moderna, vislumbra o advento do desarmônico e do assimétrico.

(4) Em seu livro A Idade Neobarroca, Omar CaIabrese identifica um modelo de articulação interna em qualquer elaboração cultural contemporânea, modelo este de características neobarrocas. CaIabrese qualifica de neobarroca nossa época que, segundo ele, celebra o fragmentário  e o labiríntico.

(5) Anceschi, Luciano. A Ideia do Barroco.

* Carmela Gross foi artista convidada para a Temporada de Projetos 1999

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