Visitação
06/10/2009 a 06/12/2009
A exposição apresenta uma retrospectiva do trabalho de Pipilotti Rist, uma das principais representantes da arte contemporânea. O Paço das Artes abriga 10 obras que exploram temas que permeiam a produção da artista, como fantasia, sonho, prazer e erotismo.
Em três décadas de trajetória, Pipilotti Rist desenvolveu um percurso artÃstico que se iniciou com a exploração dos defeitos de transmissão do aparelho de TV como forma de linguagem, passando pelo vÃdeo, pela videoinstalação, pelos curtas-metragens. Recentemente produziu um longa-metragem — Pepperminta — concluÃdo e apresentado no festival de filmes de Veneza de 2009. Hoje produzindo vÃdeos em alta definição, esta artista que emergiu no contexto da arte nos anos 1980 produziu um vasto imaginário.Ela se vale dos recursos do vÃdeo como meio central de realização do seu trabalho; e mantém diálogo constante com outras linguagens como a música, atua como performer em alguns de seus vÃdeos, desenvolve textos e poemas, cria e recria meios de revelar a existência humana em primeiro plano, em close-ups que envolvem a si própria para além dos personagens, que sugam o espectador para dentro da obra. No trânsito entre a alta tecnologia e a auto-exposição, tudo parece conspirar para que a arte seja, afinal, um processo de liberação mútua entre quem faz e quem vê: a intimidade é aberta pela exposição dos corpos, pela reflexão sobre as relações amorosas e familiares, pela abordagem de questões existenciais e de redenção, ou pela inclusão de parentes e amigos na construção do trabalho.Regras, tabus, clichês e normas sociais estão aà para serem transgredidas por Pippi[1] de maneira extremamente educada e sofisticada. Coisas como lamber pratos durante jantares, sejam eles formais ou informais, fazem parte de uma tecno-sexy-ecologia que configura um —sistema— especial, um outro modus vivendi, no qual a artista recria a vida e todos os dias. à uma forma de transcendência, feita com extrema precisão para um percurso de liberdade no mundo atual, que garante o respiro e que abre espaço para a arte.Neste —sistema— prevalece sobremaneira o respeito à alteridade. E encontra-se um caminho singular para politizar a arte hoje, onde estão incluÃdos o corpo e a relação com a tecnologia. Sensualidade e sexualidade estão expressas por um corpo geralmente feminino. Um corpo mÃtico que nos devolve a um universo de fantasia e desejo pelas vias da fabulação; um corpo econômico e social, corpo natureza que se expande nas paisagens, entre o sumo de frutas e fluidos corporais; o sangue, a vida pulsando nas veias. Um corpo generacional, emergido do desbunde dos anos 1980 e que segue seu ciclo entre a vida urbana e a natureza, o paraÃso.E eis que um outro corpo é evocado: é o corpo do espectador instado ao convite de entrega nos espaços instalativos. A proposta é relaxar a musculatura para melhor apreciar a obra. O relaxamento do corpo se acentua nas instalações A Liberty Statue for Löndön (Uma Estátua da Liberdade para Londres) e Asas do Pulmão, no MIS. Não é mais o corpo do espectador se deslocando pelas instalações ou sentado em um enorme sofá – como em The Room (A sala) no Paço das Artes — no qual o nosso corpo se torna diminuto em relação ao imenso assento disposto em frente a um monitor de TV, que roda uma quase retrospectiva da artista. Na instalação do espaço redondo do MIS, o corpo do espectador está deitado sobre uma rede, mirando a enorme projeção no teto, onde as imagens da Pepperminta se sucedem ao redor de seus vários percursos, imiscuindo-se à natureza, por vezes.A artista recria a forma de recepção do cinema no espaço expositivo e altera a relação com o espectador colocando-o em estado de imersão. Opera um outro cinema, que a rigor configura um transcinema. Não há um palco italiano e a relação entre auditório e tela desapareceu; a narrativa linear foi modificada, limada, para alterar a forma de recepção do vÃdeo, propiciando ao espectador importantes experiências sensórias. ImpossÃvel deixar de lembrar os Quase-Cinemas e de Hélio Oiticica, ainda mais pela presença das redes e pelo apelo à lassidão.Na sua tecno-sexy-ecologia, Pipilotti recria o —sistema—. Cria um universo próprio, um modo de vida que se vale da técnica e da tecnologia — que domina com perfeição — a ponto de querer —perturbar as máquinas para que elas não se voltem contra nós—, como afirmará mais adiante em sua entrevista. Técnica e tecnologia servem à artista para transitar na contramão do pensamento globalizado: desaceleração para contemplar e fruir belas imagens, para atrair e incluir o espectador, para negar o segregacionismo.As suas imagens propõem um percurso oposto à s narrativas documentais que estão na mÃdia todos os dias e que retratam as guerras, o terrorismo, as catástrofes ambientais, espelhadas e reprocessadas nas obras de vários artistas hoje em todo o mundo. Eles produzem imagens-arquivos, que constituem um grande banco de dados, que atestam a vida como ela é nos dias atuais. Imagens que provocam em nós um efeito de realidade. Pipilotti tem uma outra forma de constituir o dueto arte e polÃtica. à por meio do belo e do prazer que ela recria o —sistema—. A sua tecno-sexy-ecologia traduz um mundo simulado, que busca capturar o espectador para dentro do filme e fazer com que o seu olhar percorra, junto com a câmera, imagens e espaços inalcançáveis a olho nu. A câmera da artista é, portanto, um prolongamento do corpo da artista; é uma quase-prótese, capaz de descrever um mundo onde há espaço para a fantasia e, portanto, para a transcendência. Por trás de um imaginário que tangencia a vida nos contos e nas fábulas e na perspectiva de um paraÃso, residem o incômodo e a crÃtica feroz. Eis a relação arte e polÃtica tangenciada pelo avesso do que se faz em arte hoje, aà está a singularidade: humor e ironia caminham de mãos dadas para propor o desmonte da aceleração e do pensamento massificado. Pipilotti propõe ao seu espectador a distância do grande rebanho globalizado, oferecendo-lhe a possibilidade de um mergulho num mundo inundado de sensualidade e magia.As imagens de Pipilotti Rist nos são fundamentais. Pelas vias de um colorido intenso, da associação entre o irônico e o belo e da construção de um mundo mÃtico elas assumem um papel de contraponto à realidade massacrante repetida à exaustão pelas mÃdias, pois nos revelam um universo alternativo ao do cotidiano. E então, torna-se até possÃvel vislumbrar a transformação. Ao apropriar-se da linguagem das mÃdias massivas, a artista constrói universos onÃricos que nos atiram, definitivamente, em espaços fluidos e libertadores.