Visitação
06/02/2006 a 05/03/2006
Arrancar o corpo para fora do corpo num gesto de salvação da morte, e fazer desse gesto a produção das coisas criadas e descobertas, eis a condicionalidade do processo de pesquisa artÃstica da artista; saiba mais
—Se uma pedra cai, essa pedra existe, houve uma força que faz com que essa pedra caÃsse, um lugar de onde ela caiu, um lugar por onde ela caiu — acho que nada escapa à natureza do fato, a não ser o próprio mistério do fato.— Clarisse Lispector, Perto do coração selvagemArrancar o corpo para fora do corpo num gesto de salvação da morte, e fazer desse gesto a produção das coisas criadas e descobertas, eis a condicionalidade do processo de pesquisa artÃstica de Oriana Duarte.Foram quinze meses de preparação, entre julho de 2003 e outubro de 2004, para que a artista pudesse usar a fisiologia do corpo e a superação emocional como matéria prima de Os riscos de E.V.A (Experimentos em Vôos ArtÃsticos). Trata-se de uma série de performances em esportes radicais, em que a artista registra em vÃdeo um salta (bungee-jumping), uma subida (escalada) e uma descida (rappel). Desafiando o peso numa paisagem cartesiana, da verticalidade da escalada e do desafio à horizontalidade do rappel, um salto no vazio: a desaceleração abrupta com a alteração de direção em queda livre causou um estado de inversão gravitacional (negativa), sendo que, num dado momento, a gravidade foi zero. Um estado de singularidade onde o corpo explode pelos olhos (eritropsia), onde se evaporam as coordenadas espaço-tempo numa interrupção no território geometrizado da natureza; onde nada mais pesa e tudo se equivale. Os limites do corpo se apresentam como tal. Não cabe sua ultrapassagem. Fazendo parte de uma pesquisa artÃstica, o salto no vazio, o não lugar, se dá enquanto experiência estática. O colossal do vazio, o sublime do zero, aquilo que é grande demais para um apresentação, complica a inscrição do objeto em seu contexto. Complica o próprio contexto (das geografias da arte, da natureza, do conhecimento, do patriarcalismo). O corpo se transforma em corporeidade, —algo vivo, vulnerável, fragmentário, acidental, seu —estar no mundo—, suas transfigurações—. E o que resta como objeto de investigação artÃstica é o desejo de se alastrar os limites do gesto; de —transformar a experiência de E.V.A. num exercÃcio de permanência no mundo—.Os resultados alcançados em E.V.A. culminaram numa série de trabalhos artÃsticos expostos ao público numa obra de videoinstalação. O conceito da organização espacial da obra foi a de uma sala de espera de consultório médico, onde constam em pastas suspensas à s paredes os —cadernos de E.V.A.—. O arquivo de informações do projeto forma o conteúdo das pastas: documentos médicos, avaliações fÃsicas, desenhos, fotografias — registros de atividades da pesquisa, banco de imagens das performances — xerox de textos, ensaios e matérias jornalÃsticas sobre esportes, alterações estéticas e cirurgias plásticas, medicina nutricional, funcionamento do cérebro, etc. ao lado do sofá há uma velha vitrina de farmácia contendo objetos relacionados à s práticas esportivas: a roupa utilizada nas performances, luvas de proteção, giz de cal e uma farmacêutica de body building — frascos de suplementos alimentares, vitaminas, remédios de contusão utilizados ao longo do processo de atividade da pesquisa. Na parede sobre o sofá, a imagem do bÃceps da artista tatuado com a inscrição da performance E.V.A. em uma tipografia eletrônica remissiva do alfabeto grego, inscrição que também pontua os cadernos. Na parede do lado de fora da sala de projeção, a primeira a ser vista pelo visitante, numa fotografia de Oriana lê-se: —a artista dez dias após o salto de bungee-jumping—. A violência do rosto inchado e o olho explodindo em vermelho-sange contrasta com a expressão vazia dos acidentados.