Visitação
06/02/2006 a 05/03/2006
Paulo Meira trabalha com diversas mÃdias em sua pesquisa sobre a ideia de “corpo flutuante” e suas conexões; saiba mais
O artista está suspenso a uns 20 centÃmetros do chão por quatro ganchos presos nas costas. Uma anã vestida de boneca o embala enquanto a câmera executa um lento travelling, ininterruptamente, ao redor da cena. Performance privada de Paulo Meira que aconteceu no Observatório Cultural Torre Malakoff, Recife, em 2004, a obra em vÃdeo alia três caracterÃsticas essenciais do trabalho do artista: o pensamento pictórico, sobretudo em sua relação temporal, a prática que ele persegue esteticamente de promover encontros estranhos e a ideia de —corpo flutuante— como conceito artÃstico.Não é coincidência o fato de os precursores da videoarte terem um lugar de destaque na história da performance art: Joseph Beuys, Nam June Paik, Wolf Vostell, Vito Acconci e Bruce Nauman fizeram uso, cada um a seu modo, do vÃdeo para capturar o corpo em processo, em lugar de fixá-lo em uma imagem estática, como se fora o corpo um objeto sistematizável. Na videoperformance O Marco Amador, Paulo Meira parece partilhar desta filosofia que entende o corpo como processo e como forma de pensamento. Os estudos recentes no campo das ciências cognitivas evidenciam, de fato, que o exercÃcio de teorizar é também uma experiência corpórea. Beuys é uma referência para Meira, tanto pela prática de ações repetitivas quanto pelo processo de transformação que parte sempre do artista, ou que se efetiva primeiro no artista – vale lembrar que a preparação de Beuys para a performance Coyote: I like America and America likes me (1974) começou na viagem de Düsseldorf para Nova York, onde a ação de uma semana ocorreu, para então se estender à coletividade, ao tecido social, tocado e implicado pela obra. Ao realizar uma —ação corporificada—, Meira recusa o pressuposto modernista de um observador —desencarnado— que vê e lê a obra unicamente de forma cerebral. Sua ação reverbera na mente e também no próprio corpo do observador.Se a relação entre vÃdeo e performance parece evidentemente orgânica, aquele entre o vÃdeo e a pintura – sobretudo após os trabalhos já canônicos de artistas como Bill Viola e Sam Taylor-Wood, que propõem releituras de quadros ou gêneros clássicos por meio da imagem em movimento, ou ainda que se referem ao imaginário pictórico contemporâneo da pesquisa pictórica, como apontam leituras crÃticas recentes, como a da curadora Angélica de Moraes na exposição pintura reencarnada [Paço das Artes, 2004].O Marco Amador tem o tempo de duração da própria suspensão – 28 minutos – e não há cortes, a não ser pelos frames de microssegundos que são disparados em algumas das vezes em que o artista realiza um gesto repetitivo que pontua toda a ação. Com uma porção de bombas do tipo —Fogos Caramuru— nos bolsos da calça, Paulo Meira —quebra a monotonia— deste excêntrico ritual, atirando-as ao chão. Cleide e ele esperam o estouro, ela apreensiva, tapando os ouvidos, ele agitando as pernas, alvoroçado, como se acabasse de ter tido um insight.