Visitação
23/02/2003 a 23/03/2003
O universo do desenho da artista é permeado por linhas e palavras: a linha delineia, a palavra torna-se imagem ora latente enquanto massa, ora intimista quando desvenda o conteúdo escrito.
Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.
Carlos Drummond de Andrade
A vista diz muitas coisas de uma só vez, constatou Gaston Bachelard. E para fruir um conteúdo imagético-escrito é preciso aproximar-se, deter-se, como sugere o poeta Carlos Drummond de Andrade. O universo do desenho de Ana Teixeira é permeado por linhas e palavras: a linha delineia, a palavra torna-se imagem ora latente enquanto massa, ora intimista quando desvenda o conteúdo escrito.
O trabalho que Teixeira apresenta no Paço das Artes é um conjunto de obras em mÃdias diversas que reflete essa permeabilidade. Na série de doze gravuras em metal, Porque somos também aquilo que perdemos, o desenho configura-se como anotação, em que a artista sobrepõe imagens, linhas e textos como quem abre um diário de memórias que é constantemente revisto, reescrito, ressignificado.
Em Dieta – caixa de acrÃlico com 2000 hóstias e verbos no imperativo impressos; Nosotros hablamos Ia misma lengua – livro e banner com palavras que possuem a mesma grafia e significado em português e em espanhol; Meninas que são meninas usam cor-de-rosa e choram – livro-objeto; Biogravuras – serigrafia sobre jornal, e no vÃdeo Escuto Ana Teixeira expande a dialética entre palavra e desenho e propõe a interação com o público.
As obras revelam questões como identidade/alteridade, aculturamento, apagamento, memória e ressignificação. E trazem aspectos comportamentais que são ressaltados pela utilização de verbos no imperativo, aqueles que servem para ordenar. As palavras no imperativo estão presentes também no carro de som, que as profere percorrendo o bairro do Butantã e redondezas, a partir do Paço das Artes no dia do vernissage, numa referência aos veÃculos destinados à venda de produtos.
O vÃdeo Escuto traz outra forma de tratar a palavra, lembra o verso de um poema de CecÃlia Meireles: um gesto para desenhando e uma palavra se imprime.No vÃdeo, cuja ação se passa na rua Conselheiro Crispiniano e na Praça Dom José Gaspar no centro da cidade, a artista propõe-se a escutar histórias de amor e tricota enquanto espera. Um homem senta-se diante dela e conta a sua história fazendo crochê e ela ouve continuando seu tricô. Mas o vÃdeo é mudo.