Visitação
27/03/2018 a 06/05/2018
“O Aparato”, do artista visual João GG, propõe uma instalação com referências figurativas de natureza e de paisagens como cascatas, cânions e montanhas. No entanto as obras, essencialmente esculturas, apresentam uma potente visualidade cromática que remete a técnicas expositivas comerciais
Ananda Carvalho
Abaixo, as conversas entre o artista João GG e a crÃtica Ananda Carvalho durante os meses de fevereiro e março de 2018.
João GG: Oi, Ananda! Você chegou a ler o —MAGMA—¹? O que achou?
Ananda Carvalho: Oi, João! Eu já li o —MAGMA— sim e achei bem interessante como nossas referências e imaginários vão sendo ativadas e ganhando materialidades ao ler o texto conjugado com as imagens. Para mim, o que chama mais atenção são as possibilidades de aproximação entre elementos mais —naturais—, como a pedra, com o plástico. Essa aproximação me faz pensar sobre a perenidade das coisas sob a perspectiva das ideias de totem, monumento e ritual.
JGG: Eu fiquei pensando essa semana sobre coisas que poderia ter comentado contigo, como a escolha dos materiais. Na época do —MAGMA—, acho que teve um fio condutor de usar os mais variados tipos de materiais sintéticos. Interessava-me como esses materiais envelheceriam, ou seja, observar sua duração, que poderia ser de alguns meses ou ser quase eterna, dependendo de densidade, dureza etc. Depois do —MAGMA—, comecei a trabalhar com isopor mais persistentemente. O isopor tem uma ambiguidade interessante: ao mesmo tempo que é percebido como frágil e efêmero, é um dos materiais mais perenes já inventados. Essa caracterÃstica permitiu aproximações com a ideia de materiais clássicos da escultura como mármores, cerâmica e metais, que são empregados com o intuito de resistir ao tempo ou sobreviver à história. Ainda podemos pensar essas questões na pintura, que na contemporaneidade é em boa parte feita com tinta acrÃlica, um polÃmero, ou seja, um material não muito diferente daqueles que eu uso.
AC: Eu vejo muito a questão da cenografia, o ambiente fictÃcio e espetacular nos seus trabalhos. Mas fico pensando sobre a ideia de —Aparato—, que é o tÃtulo da exposição. Você utiliza a palavra no singular. Mas a exposição consiste numa composição de diversos aparatos. Quer me contar um pouco sobre o seu processo de criação do tÃtulo?
JGG: Eu prefiro tÃtulos —objetivos— e sintéticos a tÃtulos excessivamente poéticos ou metafóricos. E é difÃcil dar tÃtulos objetivos para esses trabalhos, pois eles costumam ser coisas hÃbridas. O que eu tenho feito recentemente é derivar o tÃtulo da primeira referência imagética do trabalho. Geralmente, é uma paisagem. Também gosto que seja uma paisagem genérica (canyon, montanha, cascata etc.). Mas não é regra. No caso do tÃtulo da exposição, —Aparato— também foi um tÃtulo objetivo. Esse conjunto de trabalhos tem em comum a estrutura cênica, uma inclinação a enfatizar a —aparelhagem— em torno das esculturas (luzes, fundos, pisos, motores). Em algum momento das montagens de exposição eu realmente comecei a me sentir um cenógrafo ou iluminador, carregando todas essas lâmpadas de um lugar pro outro. Esse ajuste fino de montagem passou a ser tão importante quanto a criação dos objetos.
AC: Essa questão da cenografia também pode ser relacionada com a emulação da paisagem: tanto com a —objetificação— da paisagem quanto à questão da pintura que vira escultura². Também se relaciona com aquilo que você falou sobre outras discussões recorrentes no seu trabalho: a cultura da imagem e a produção em massa.
JGG: No fim do ano passado eu descobri um artista chamado Jordan Wolfson³ que me chamou muita atenção. (…) Para mim, o mais interessante é este artista utilizar robôs parecidos com humanos, mas ainda assim assumidamente não humanos. à sobre o —uncanny valley—, o estranhamento que nós sentimos perante isso, esses limites da empatia e auto-reconhecimento. No meu trabalho, acho que interessa mais a ideia de dar —vida— a algo que seria estático. Ou melhor, dar um movimento outro a uma determinada coisa, um movimento que tipicamente não lhe pertence, e ver como fica o resultado (por exemplo, fazer uma montanha girar). Eu acho que nessa exposição também se ensaia algo sobre tempo e ritmo. O ponteiro do —Coreógrafo— de certa forma —dita— um ritmo para o resto da sala. à como se ele estivesse numa situação de autoridade, centralizado ao fundo da sala, e numa estatura dominante. Já —Paramount— apresenta um movimento circular constante, que permite que a escultura se exiba para o observador. Em —Outono/Inverno—, o movimento não é observável, mas há um cronograma de troca da escultura exposta no pedestal, que muda uma vez por semana. De qualquer forma, são todos movimentos mecânicos, sem sensualidade, —administrados—.
AC: Essas reflexões que a exposição faz sobre —tempo, ritmo e movimento— nos faz voltar a pensar sobre a escolha dos materiais nos seus trabalhos. Lembro daquilo que você fala sobre o plástico ser um material —meme— – estar em todos os lugares – e sobre o conceito de —imortalidade biológica—. Se ampliarmos esses questionamentos para um contexto socioeconômico mais amplo, volta aquela inquietação, que falamos algumas vezes, sobre qual é a concepção de polÃtica ativada por meio dos seus trabalhos.
JGG: Eu prefiro não ser ilustrativo de clichês polÃticos. Prefiro dessa forma por uma série de motivos. O lugar da arte (que geralmente é um contexto de privilégio) num paÃs como o Brasil (cheio de contradições e tensões socioeconômicas, raciais, de gênero etc.) é extremamente delicado. Eu acho um tanto paradoxal um circuito fechado e ensimesmado como o da arte ficar tematizando problemas tão tentaculares como esses, que geralmente têm impactos mais violentos fora que dentro do circuito. Na verdade, os problemas dessa ordem têm uma urgência outra. São questões que deveriam ser endereçadas por polÃticas públicas, ou, então, por agentes que têm muito mais impacto e recursos que o circuito das artes plásticas. Eu tenho preferido fazer objetos que se põe no mundo quase —factualmente—, sem tentar convencer o observador de um sentido, propósito ou moral. Não é que da arte não resultem efeitos e desdobramentos morais, mas eu acho que eles geralmente são uma resposta imprevisÃvel a ela, e ela é, bem, só uma imagem, um objeto, uma condensação de realidade de época.Acho que é isso… Desculpe despejar tudo isso assim meio em fluxo de consciência – se preferir nem levar em conta nas perguntas, tudo bem – só quis te atualizar do que eu venho pensando esses dias.
AC: Adorei receber esses fluxos de pensamentos… continuamos conversando…
JGG: Por último, tem outra questão que pra mim é sensÃvel. Eu acho que a justaposição de isopor com a ideia de efemeridade (que nem é tão aplicável assim, já que eu estou guardando essas coisas) e com as cores estridentes leva as pessoas a relacionarem o meu trabalho com o carnaval. Mas esses três elementos estão em vários outros lugares: vitrines de shopping, decoração de parques de diversão, ornamentos de fachada de prédios, bens de consumo. Tudo no mundo depois da década de 1950 tende a ser de plástico. Também tende a ter coloração ácida ou chapada, tanto por influência da Pop Art, como das possibilidades técnicas de impressão que tomaram conta dos processos industriais. Meu ponto é que todos esses elementos são mais genéricos que o carnaval. Os insumos que eu uso vêm quase todos dessas regiões comerciais atacadistas tipo 25 de março, Santa Ifigênia e Brás. E o que elas têm em comum não é o carnaval, mas a China, a economia do petróleo, a produção em massa e um tipo de consumo que atinge todos os lugares e públicos.
1 Trabalho de Conclusão de Curso em Artes Visuais realizado pelo artista na ECA-USP (2017).
2 No inÃcio de sua carreira como artista, João GG realizava pinturas.
3 Ver referências citadas pelo artista aqui: —Jordan Wolfson: Coloredsculpture—: <https://www.youtube.com/watch?v=gsla5fbzhpw>
e —Female Figure—: <https://www.youtube.com/watch?v=BGFNWJ16LT4>.