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Não quero nem ver

Visitação

07/06/2005 a 16/07/2005

“Não quero nem ver”, título da obra-exposição, apresentada no Paço das Artes, convida o leitor a tatear “sentidos sentidos” que se entrelaçam em constelações de palavra-imagem-som.

Qualquer tentativa de nomear ou rotular a obra de Lenora de Barros é empreitada difícil e perigosa. Como identificar a sua produção? Poesia? Performance? Arte conceitual? Nomear é fixar, e fixar é perder a qualidade diferencial. Apesar de ser uma obra que transita em diferentes territórios, ela se situa nos entremeios. “Não quero nem ver”, título da obra-exposição, apresentada no Paço das Artes, convida o leitor a tatear “sentidos sentidos” que se entrelaçam em constelações de palavra-imagem-som. 
Não se trata propriamente de uma obra-instalação, e, sim, de obras dentro de obras em permanente diálogo, que adquirem a qualidade de instalação, trazendo em si desdobramentos de 30 anos de inquietas investigações plurifacetadas. 
A trajetória de Lenora tem início em meados da década de 1970. Suas experimentações nascem a partir da material idade da palavra, em seu aspecto verbivocovisual, no âmbito das questões propostas pela Poesia Concreta, mas também sob forte influência de movimentos ou vertentes que marcaram a arte dos anos 1960/70, como o pop, a arte conceitual, o Fluxus.
Lenora, de certa forma, está inserida na descrição feita pela curadora norte-americana Lisa Phillips, acerca de uma geração cuja obra se inspira “na orientação analítica dos artistas conceituais e na utilização de imagens culturais dos artistas pop”, surgindo da “percepção, consciente de si mesma, de nossa cultura de imagens”. Desde os primeiros trabalhos, lançou mão de um procedimento utilizado por um certo tipo de artista, que consiste em recorrer ao caráter documental da fotografia para registrar situações performáticas, encenadas para a câmera. São trabalhos que exploram, muitas vezes, situações sequenciais. 
Com o mesmo caráter experimental que elabora a palavra, a artista realiza performances fotográficas em que seu próprio corpo é signo agente, num processo indissociável de palavra-imagem. Foto-performances que falam o corpo boca. Palavras-texturas de cor, volume, som e forma com qualidade material corpórea. Em 1982, faz a palavra e a foto migrarem do bidimensional para o videotexto e, daí, num processo crescente e quase irreversível, ao espaço propriamente dito das instalações. 
Muitas dessas produções, a artista denomina como pôster-poemas, videopoemas, poemas-objeto ou instalações poéticas, dado que a palavra atomizada é freqüentemente, para ela, a matriz geradora de sentidos. Por isso, todas as tentativas de fixar a obra de Lenora de Barros jogam-nos para dobras redesenhadas de outras obras que assumem a qualidade de materiais de e para novas obras-produções. 
Nessa tessitura multiforme é que partículas de linguagens constroem o espaço-poema” Não quero nem ver”. Ao ler o título dessa série, perguntas sobrepõem-se umas às outras. Não quero nem ver? Nem quero ver? Não quero ver é  querer ver? Quem quer ver nem ver? Ou, não quero ver porque só posso ver-ler ao entrever os fragmentos de textos de outros contextos? A própria sintaxe do título indicia um procedimento construtivo estranho, em que o não e o nem figuram como tarjas semânticas. Afinal, o nem nega o não.
Uma obra que constrói um espaço de fotos, vídeo, poemas e sons intersectados em mosaico. Bocas, mãos e olhos velados ou entre-vistos por trás de gorros. Olhos semi-abertos-quase-fechados, tarjados pelas mãos enluvadas. Um rosto que constrói expressões faciais como máscaras. Um gorro-máscara que revela e expõe formas e movimentos. 
No entanto, não se trata de qualquer máscara, dado que a máscara, essa forma convexa, ao construir o espaço côncavo a ser preenchido pelo rosto, vela e revela a personagem que representa. Na sua qualidade de signo, a máscara se constrói no interstício de duas linguagens: de um lado, a escultura em que as formas moldam o volume e, de outro, o teatro: velar a face do ator e revelar a personagem. Por sua vez, o gorro cobre e protege a cabeça, mas, como em geral é tricotado em linha ou lã, não esconde as formas e movimentos —¨construídos no seu interior. 
Lenora, ao fazer uso do gorro, inverte e desloca o seu sentido, como também o da máscara na voz do videopoema Há Mulheres. O primeiro plano, fechado, rarefaz o caráter de acontecimento das imagens jornalísticas dos contraventores sociais e/ou das mulheres cobertas com véu, criando quadros-máscaras. Não são mais contravenções sociais, mas contravenções construtivas na encenações das relações poema-espaço-imagem. Esse mesmo princípio é usado no trabalho A Mulher, montando um mosaico na seqüência fotográfica dos diferentes recortes volumosos da boca. Nessa sinfonia silenciosa de bocas emergem as falas do corpo da mulher. 
Em “Não quero nem ver“, o gorro esconde o rosto, abafa a voz-poema e expõe esconde os olhos, construindo o corpo-olho-mulher como máscara. Este jogo de movimentos invertidos irá revelar a máscara em sua qualidade substantiva, isto é, uma relação da forma côncava-convexa. Um procedimento construtivo que desautomatiza o olhar e indicia que o ver só é possível no tatear sensório. 
* Lenora de Barros foi artista convidada para a Temporada de Projetos 2005
Governo do Estado de SP