Visitação
13/07/2009 a 13/09/2009
A associação de questões relativas à linguagem formam o ponto de partida desta exposição, que pensa o artista como comunicador. Procura traduzir a angústia causada por este cisma na linguagem, em que o artista se confronta com o diálogo com o público através da sua obra.
Mesmo que venha provocando um interesse crescente no grande público, a arte contemporânea ainda é alvo de ironias pelos que dizem —não conseguir entendê-la—. Se raramente a pergunta sobre o significado de uma música é feita ao músico, no campo das artes visuais ela ainda é recorrente. Isso se deve também ao fato de que o olhar parece não dar mais conta de muitos trabalhos de arte. Uma vez que é possÃvel fazer arte com tudo, inclusive com o que não é visual ou palpável, surge no público uma carência de explicação. Essa indesejável tarefa, de saÃda fadada ao fracasso, geralmente é delegada a educadores e crÃticos. Entre muitos outros fatores, os mal-entendidos em relação à arte se devem também a uma dificuldade de comunicação entre artista e público. Esse problema foi recorrente na arte moderna e não são poucos os artistas que em seu tempo foram incompreendidos, mas que a posteridade legitimou. Parte da arte contemporânea herdou algo dessa —incomunicabilidade— ao recusar uma relação direta com as massas ou com sentidos já cristalizados.O trabalho de MaurÃcio Ianês, mais do que lidar com esse legado, elege o —inefável— e o —inexprimÃvel— como tema central. Não é por acaso que essas palavras aparecem escritas em néon sobre um grande cubo cinza, como rachaduras que se prolongam no chão. Mas seria possÃvel expressar o inexprimÃvel? Uma pista pode ser vislumbrada em um autor – Ludwig Wittgenstein (1889-1951) – que o próprio artista cita no trabalho intitulado Tempestade. O filósofo vienense entrou para história com o seu Tractatus Logico-Philosophicus, onde escreveu: —Todo o sentido do livro pode ser resumido pelas seguintes palavras: o que é de todo exprimÃvel, é exprimÃvel claramente; e aquilo de que não se pode falar, guarda-se em silêncio.— Essas palavras foram alvo de controvérsias. Para os positivistas elas decretaram o fim da metafÃsica. Entretanto, para Wittgenstein, aquilo sobre o qual nada poderÃamos falar é o que realmente importa na vida. O universo mÃstico também é inexprimÃvel. Assim, o essencial é tudo aquilo sobre o qual o pensador nenhuma linha escreveu, e para o qual a linguagem não daria conta.Outra referência de MaurÃcio Ianês aparece diretamente na videoinstalação Minha lÃngua é a pena de um hábil escriba. Trata-se do poeta romeno radicado na França, Paul Celan (1920-1970), cujos pais foram assassinados em um campo de concentração. O artista apresenta imagens do Rio Sena, sob a ponte Mirabeau, em que o poeta se suicidou. Apesar de sua vida trágica, Celan é considerado o poeta que desmentiu a famosa declaração de Theodor Adorno (1903-1969) de que depois de Auschwitz não havia mais lugar para a poesia no mundo. Como um sobrevivente da catástrofe, a Shoah, o poeta conseguiu como poucos superar o silêncio avassalador diante do acontecido e a limitação das palavras para expressar o que não poderia ser dito.Na verdade a limitação da linguagem só surge quando ela é concebida como ideal e pura, como se pudesse traduzir sem equÃvocos pensamentos e sentimentos. Essa seria uma linguagem apenas instrumental, uma linguagem supostamente perfeita e transparente. Mas a linguagem, principalmente a do poeta e do artista, não traduz significações, mas é habitada por elas. O sentido não está fora do mundo, uma vez que ele não pode ser anterior nem exterior à palavra. MaurÃcio Ianês consegue exprimir o inexprimÃvel porque sua linguagem é alusiva e indireta. O artista não copia nem traduz pensamentos, mas se deixa fazer e refazer por eles. à do indizÃvel e do invisÃvel que surge o dizÃvel e o visÃvel. à o silêncio que torna possÃvel a expressão e a invenção de novos sentidos.