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20/04/2017 a 05/06/2017
Ana Hupe conversa com a crÃtica Juliana Gontijo.
Juliana Gontijo
Juliana Gontijo: Como Malungas continua o projeto Leituras para mover o centro?Ana Hupe: O projeto Leituras para mover o centro partiu de uma relação minha com a literatura, como forma de me colocar no lugar do outro. Estava numa residência na Ãfrica do Sul quando descobri, numa coletânea de contos de escritores africanos e afrodescendentes, um conto da escritora brasileira Conceição Evaristo. A história do conto ocorre num ônibus que vai da zona sul do Rio de Janeiro para uma favela na periferia. Uma empregada doméstica levava frutas que tinha ganhado da patroa para os dois filhos pequenos. Um homem assalta o ônibus, rouba a todos, mas ela reconhece nele o pai do seu filho mais novo e ele não a assalta. Quando o ladrão foge, as pessoas do ônibus a violentam, porque a consideram cúmplice. Ã uma história terrÃvel, como muitos contos da Evaristo. Não conhecia, naquela época, nenhuma escritora negra brasileira e fiquei pensando em como somos doutrinados desde uma perspectiva europeia, branca e masculina. Como estava na Ãfrica do Sul vivendo uma experiência de desigualdade extrema entre negros e brancos, essa descoberta funcionou como uma quebra de paradigma nas minhas relações sociais. O fim do apartheid é muito recente, e a discussão constante sobre a descolonização atua lá como uma cura coletiva, enquanto aqui, no Brasil, se fala pouco da necessidade de nos libertar do inconsciente colonial, e o racismo é algo muito velado.