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Geração Transterritorial

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06/08/2006 a 17/09/2006

A série MaPA – Paço em Memória, disponibiliza on-line os textos das curadoras da exposição Geração Transterritorial, Maria Teresa Santoro Dörrenberg e Tereza de Arruda, realizada no Paço das Artes em 2006

GERAÇÃO TRANSTERRITORIAL| Maria Teresa Santoro Dörrenberg

Geração Transterritorial constitui-se no desdobramento de três exposições internacionais entre Brasil e Alemanha que inaugura o intercâmbio de jovens artistas brasileiros e alemães e aprofunda um diálogo das diferentes experiências de artistas, professores e especialistas com a realidade das mídias e tecnologias contemporâneas e suas novas formas de comunicação.

Composta de instalações, vídeos, videoinstalações e uso de tecnologias contemporâneas, a produção midiática-tecnológica de Geração Transterritorial espelha o momento social, cultural, midiático e tecnológico presente e aponta para o futuro, para aquilo que já está nos transformando e que será um modo de ser, de atuar e de pensar.

Então, Geração Transterritorial tem por objetivo, em primeiro lugar, valorizar o trabalho desses jovens artistas e suas produções experimentais com a arte, as mídias e com as tecnologias contemporâneas e, em segundo lugar, lançar uma luz sobre essas produções inusitadas, que estão reclamando e nos chamando para novos territórios de comunicação.

A ideia de uma exposição “transterritorial”, que promove o intercâmbio entre esses jovens artistas, também não existe por acaso. Apesar de se situarem em territórios e contextos diferentes, artistas alemães e brasileiros transitam pelos mesmos canais de comunicação. O espaço artístico desses artistas brasileiros e alemães é um space comum, incessantemente em construção, imprevisível e permeável entre o aqui São Paulo e o lá Colônia.

Ao trabalharem com tecnologias digitais e mídias contemporâneas, o que esses jovens artistas estão propondo são outros pontos de vista, outra estética, uma nova experiência de conhecimento, e essa parece ser uma tendência na arte contemporânea.

Assim, as instalações, os vídeos, as videoinstalações destas exposições estão propondo a criação de territórios imateriais que nos levam a múltiplas e revolucionárias realidades. Essa jovem realidade nos apresenta um ponto de partida experimental, híbrido, mutável. Provavelmente, nos aponte um futuro, mas não um futuro previsível, pois justamente o que essas obras estão nos comunicando é que os espaços podem ser múltiplos e heterogêneos, que os pontos de vista precisam ser ampliados, que a noção de tempo foi alterada, fenômenos estes já integrados em nosso cotidiano real, tecnológico, midiático e comunicacional.

GERAÇÃO TRANSTERRITORIAL | Tereza de Arruda

Há vários precedentes de intercâmbio de artistas contemporâneos entre Brasil e Alemanha que merecem ser citados. No início da década de 90, período pós Reunificação Alemã, houve uma série de projetos de intercâmbio coordenados pela extinta Kunsthalle de Berlim, em parceria com o MAC do Pavilhão da Bienal e com o Espaço Cultural em João Pessoa. Esses projetos aconteceram anualmente até meados da década de 90, trazendo ao Brasil, pelo período de um mês, renomados artistas alemães, entre eles Rafael Rheisenberg, Trak Wendish, Thomas Florschutz e outros, para colaborarem com artistas locais, tais como Alex Fleming, Cristina Canale e Luiz Hermano. Eles trabalhavam em grupos de até dez pessoas simultaneamente.

O projeto Geração Transterritorial, como tantos outros, foi iniciativa de pessoas engajadas e empenhadas  pelo mesmo objetivo, que conquistaram instituições parceiras para a realização desse intuito. Houve também iniciativas importantes,  as quais, infelizmente, ou não foram realizadas no seu percurso organizacional ou tiveram que ser readaptadas. O mesmo ocorreu com o projeto Brasmitte, idealizado por Nelson Brissac Peixoto, no qual atuariam novamente artistas de ambos os países, no bairro de Mitte, em Berlim e no bairro do Brás, em São Paulo, com a finalidade de explorar a malha urbana, social e econômica.

Esse projeto é praticamente único por incluir em seu programa artistas jovens emergentes, ligados intrinsicamente a duas universidades: PUC/Pontifícia da Universidade Católica, em São Paulo, e Kunsthochscule für Medien, em Colônia. Esse ato é muito importante, pois sabemos das dificuldades encontradas pelos jovens artistas para conquistar seu espaço no cenário da arte local  e que é muito mais dificultosa  a conquista do cenário internacional.

Importante também é a inclusão única de artistas explorando os meios tecnológicos. As fronteiras nesse âmbito ainda são muito frágeis, fazendo com que meios distintos se intercalem, se sobreponham e, muitas vezes, se confundam: videoarte, arte sonora, arte interativa, arte interativa, videoinstalação etc. A existência de fronteiras maleáveis não chega a ser prejudicial, pelo contrário, é muito efetiva, pois cria produtos interdisciplinares.

A produção brasileira ligada a novas mídias possui uma grande bagagem hereditária vinda da tradição do vídeo. A produção nacional de vídeo existe há três décadas. No início da década de 70, foram feitos os primeiros experimentos simultâneos à evolução da performance ou da reapresentação humana em obras autobiográficas. As primeiras obras eram em preto e branco, com a ajuda de imagens e som, sem um discuso narrativo. Essa nova tendência brasileira aconteceu simultaneamente aos primeiros experimentos de vídeo registrados na cena internacional, a exemplo de Anna Maria Maiolino, Lenora de Barros, Andy Warhol e Rebba Horn. Um exemplo da internacionalidade brasileira foi a participação de artistas brasileiros na mostra pioneira Video Art, realizada em 1975 no Institute of Contemporary Art da Universidade da Pensilvânia (EUA).

A formatação da produção brasileira se dá pela presença de cursos universitários especializados em território nacional e por festivais como o Videobrasil, fundado em 1983 por Solange Farkas, que estimulam, até hoje, a criativiade e o potencial de inovação do artista brasileiro. Outras instituições, como o Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia, o FILE —“ Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, o Instituto Itaú Cultural e o Paço das Artes, estimulam a trama contemporânea através de prêmios, formação de arquivo ou apresentação das obras em explosições de âmbito nacional e internacional.

Este panorama reforça a ideia de divulgação da obra de jovens artistas em um projeto como Geração Transterritorial, que já nasce predestinado aos circuitos nacional e internacional. Os artistas participantes deste contexto carregam em si um amadurecimento propiciado por seu habitat de origem, o qual cobre um amplo leque de atuações na área da arte e tecnologia, reforçando a bagagem artística cultural de cada.

Imprescindível também é o caráter processual do evento, o qual evolui em um período ativo de um ano e meio entre o início prático da primeira fase, precisamente com a inauguração da exposição Geração Transterritorial no Paço das Artes, e o encerramento do projeto, previsto para o final de outubro de 2007, em Colônia. Desta forma teremos um processo de amadurecimento de ideia inicial passando por uma formatação adaptável às necessidades do projeto em si. A meta a ser alcançada é passar por um percurso inusitado.

As obras a serem apresentadas nas três exposições que compõem esse projeto remetem, entre outros, o caráter criativo, sensível e estético dos artistas ao fazerem uso dos meios de tecnologia como instrumento no processo de execução das obras. Podemos falar aqui da interatividade de diversos componentes necessários para a finalização da obra ou concretização da ideia, cuja realização não se dá somente através dos recursos tecnológicos. O compromisso destes artistas com suas obras leva em si um alto grau de risco, pois depende de recursos além do seus domínios próprios. Não basta somente a reflexão do artista para a efetivação da obra, mas sim uma amplidão de colaboradores que proporcionam a metamorfose da ideia em uma obra interdisciplinar.

A interatividade está presente não somente através dos censores que captam a presença do protagonista, mas também em contextos simples, banais e independentes dos recursos tecnológicos, como na obra de Renata Pedrosa, que trabalha em colaboração com uma comunidade carente, cujos participantes passam a ser coautores da própria obra.

Certamente teremos, no decorrer desse projeto, surpresas positivas oriundas da aproximação desses dois contextos, os quais, independente da distância geográfica, vivem o mesmo momento. A ideia é justamente quebrar esta barreira física e constituir um diálogo em ordem progressiva que posteriormente se sustentará e alimentará o universo atual da arte tecnológica. As obras apresentadas em vídeos ou instalações são, em si, o reflexo da subjetividade dos criadores, dos protagonistas e do público.

Sobre as obras:

A instalação de cinema-vídeo Cálix meus inebrians (2004), realizada pelos artistas Aline Gambin, André Oliveira, Bruno Abner, Mariana Alves,  Sheila Chang e Thais Gouveia consiste em uma releitura da  obra Metamorfose, de Franz Kafka. O vídeo traz os mesmos questionamentos propostos pelo texto, porém em sua extensão audiovisual – duas telas onde o time-line de cada uma acontece no seu contrário – expõem situações inusitadas que fogem do aceitável. A proposta de transformação lenta e abjeta, ideia central no texto do autor tcheco, materializa-se nas imagens de Cálix meus inebrians através das infinitas possibilidades de desconstrução, fragmentação e até de destruição de qualquer modelo narrativo que a tecnologia audiovisual digital propicia.

Renata Pedrosa apresenta quatro videoinstalações realizadas pelos habitantes da Comunidade do Buraco Quente. A partir da pergunta “o que você mudaria na sua comunidade?”, Renata coordenou oficinas de arte e tecnologia durante três meses para que vinte crianças de 11 a 14 anos, habitantes da comunidade, pudessem realizar seus “sonhos virtuais”. Através de aulas práticas e teóricas, incluindo mostras de videoarte de artistas brasileiros e internacionais consagrados, como Rafael França, Eder Santos e Bill Viola, visitas à exposições de arte novas-mídias, palestras e “brincadeiras” com câmeras digitais e softwares de edição, os alunos criaram quatro videoinstalações que expressam, sobretudo, uma consciência social traduzida em arte. 100% Panteras, Sem medo de errar, Aprendiz e Pop stars são as quatro instalações resultantes do projeto interdisciplinar da artista, que une educação, arte, tecnologia e convívio social.

O artista Pedro Friedman criou um banco de memórias audiovisual em uma instalação imersiva e interativa. Memórias transpostas em imagem, texto e som compostos por Friedman são abrigadas dentro de uma estrutura de bambu e alumínio, com uma tela de retroprojeção, um software programado pelo artista e sensores que, ao detectar movimentos, disparam aleatoriamente as memórias que uma vez foram suas, ou seja, o visitante de Poéticas diárias reorganiza a tradução de vivências recriadas pelo artista, atualizando-as e sequestrando-as através do movimento do corpo. Neste trabalho, o sensorial e o tecnológico se unem para inaugurar o nãotempo, tanto do passado da memória vivida pelo artista, como da vivenciada no presente por aqueles que interagem com a instalação.

Veneza é instalação multimídia realizada em 2004 por André Figueiredo. Trata-se de uma imagem aérea de Veneza, captada via satélite e apropriada através da Internet, desconstruída pelo artista  e reanimada pelo visitante ao assoprar um cata-vento e ao molhar as mãos nas águas (por que não?) dos canais da cidade. Um minimicrofone embutido no cata-vento capta o áudio do sopro que determinará a velocidade do viajar das nuvens sobre a cidade, enquanto o movimento das águas em uma caixa de acrílico, contendo sensores presenciais sobre a tela do monitor de projeção, determinará o caminho das gôndolas, vapporetos e pequenos barcos a caminho da Laguna di Venezia.

Daniel Burkhardt mostra sua videoinstalação, Grundlos (Sem fundo), de 2005. No vídeo Grundlos, três perspectivas se fundem numa imagem e o olhar repousa sobre uma estrutura de chão urbana, cujos ângulos retos se diluem em movimentos circulares e espirais. Um casal passa impassível sobre a superfície pulsante.

Já a obra Sine/Digital-Analog-Konverter, de Juliana Borinski em colaboração com Pierre-Laurent Cassière, é uma instalação por meio de um dispositivo experimental de filme, construída em 2006 com luzes, ar e materiais de vídeo. O ar põe em movimento uma fita beta digital. No facho de luz de um projetor de diapositivos forma-se a sombra da fita esvoaçante sobre uma superfície de projeção. Um jogo de sombras, que é novo e único para cada espectador, funciona em tempo linear.

In_takt, desenvolvida em 2005, é uma instalação reativa composta por um relógio de estação ferroviária, sensores de infravermelho eultrassom. Um relógio descartado da estação ferroviária de Colônia começa a procurar um ritmo próprio, independente de qualquer sistema. Munido apenas de sensores, o relógio se torna sensível ao que acontece em torno dele. Quanto mais perto chega o observador, mais se acelera a troca dos números. Desta maneira, cria-se um ritmo de contagem individualizado que passa a regular as horas. Criado por Franziska Hoffmann. Sensor; Martin Nawrath.

AION de Jacob Kirkegaard. O trabalho, uma instalação de som e vídeo, realizada em 2005, trata do acidente ocorrido em 1986 na usina nuclear de Chernobyl e de suas consequências. Com a catástrofe, o vilarejo de Pripyat virou uma cidade-fantasma. Em meio à paralisação das salas de reunião vazias da usina, a obra de Kirkegaard consegue captar um eco do passado vivo valendo-se de um método artístico próprio que permite empilhar e desdobrar o tempo de som aparentemente “morto” que se depositou entre as paredes contaminadas.

AUBAINE é um concerto desenvolvido pelo trio Gerriet K. Sharma e Dirk Specht (som) e Carsíen Goertz (projeção). No contexto de um concerto audiovisual, o método de síntese do campo ondulatório permite o posicionamento preciso do movimento de sons dentro de um espaço. Esse método vai além das possibilidades oferecidas pelas habituais tecnologias surround, permitindo aos músicos pesquisar as alternativas de criação e supressão de espaços por meio de sons. A composição de sons é acompanhada por elementos visuais que formam uma paisagem de imagens eformas que se movem, sendo que as formas e padrões reagem a intervenções sonoras. Forma-se — como na música — espaços mais ou menos estreitos ou amplos, ora em sentido igual, ora em sentido oposto.

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