Arquivo Vivo

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02/10/2013 a 08/12/2013

Com curadoria de Priscila Arantes, diretora técnica do Paço das Artes, mostra discute a concepção de arquivo na arte contemporânea; saiba mais

“Certamente, a palavra e a noção de arquivo parecem, numa primeira abordagem, apontar para o passado, remeter aos índices da memória consignada, lembrar a fidelidade da tradição. (—¦) Ao mesmo tempo, mais do que uma coisa do passado, antes dela, o arquivo deveria pôr em questão a chegada do futuro.”Jacques Derrida, Mal de Arquivo: uma impressão freudianaCriado por organizações e instituições, assim como por grupos e indivíduos, o arquivo tradicionalmente é visto como um sistema ordenado de documentos classificados e armazenados para um determinado fim. Dentro desse contexto, ele é muitas vezes entendido como um mero depósito de documentos; como um dispositivo inerte que reconstitui factualmente um passado dado e —˜fixo—™.

É exatamente essa suposta neutralidade e imutabilidade do arquivo que a mostra Arquivo Vivo* coloca em debate. Dialogando com o conceito de Mal de Arquivo proposto por Jacques Derrida, que entende o arquivo como um dispositivo lacunar e incompleto e, por isso mesmo, sempre aberto a novas e constantes re/escrituras, Arquivo Vivo apresenta 22 obras de artistas nacionais e internacionais que, de forma diversa, incorporam temas e procedimentos que dizem respeito ao arquivo em sua relação com a história, a memória e o esquecimento.
Artistas que se apropriam de material de arquivo, criam arquivos fictícios, desenvolvem projetos a partir de uma modalidade arquival, reencenam obras de arte, colocam em debate os processos de catalalogação e arquivamento e que incorporam o arquivo no próprio tecido corporal são alguns dos procedimentos que encontramos em Arquivo Vivo.
Investigar como e por que parcela da arte contemporânea tem se debruçado em questões que perpassam o arquivo e o arquivamento é o desafio colocado pelo projeto Arquivo Vivo a partir da articulação de três vetores principais:
—¢ Arquivo e apropriação de documentos e obras da história e da história da arte;—¢ Arquivo no corpo e corpo como arquivo;—¢ Arquivos de artista, arquivo institucional e banco de dados.
No primeiro vetor, encontramos projetos que muitas vezes se apropriam de documentos da história ou reencenam obras/documentos emblemáticos da história da arte. Ao se apropriar destes arquivos/documentos, o artista desconstrói e modifica seu sentido —˜original—™, apontando para a ideia de que o arquivo está sempre aberto a outras leituras e interpretações.
Dentro do segundo vetor, encontramos projetos que consideram o corpo como uma espécie de arquivo e/ou que incorporam o arquivo no próprio tecido corporal. O corpo, aqui, pode ser entendido como uma espécie de escritura que incorpora marcas, rasuras, indícios significantes de um corpo/mensagem em constante processo de construção de sentido. 
Dentro de uma última perspectiva, encontramos não só projetos que colocam em cena arquivos pessoais e/ou institucionais, mas também propostas que criam complexos sistemas de classificação e banco de dados em meios diversos. Muitos destes trabalhos evidenciam e problematizam questões específicas dos procedimentos de arquivamento como uma espécie de meta-arquivo. 
As obras aqui apresentadas não entendem o arquivo, portanto, como algo concluído, muito pelo contrário: veem o arquivo como um dispositivo sempre aberto a novas e diferentes proposições. O conjunto de obras integrantes do projeto Arquivo Vivo não só se apropria de material de arquivo, mas também sinaliza para o fato de que o próprio ato de arquivar pode ser entendido como um procedimento artístico intrínseco a uma parcela da arte contemporânea.
Cumpre lembrar que a linguagem contemporânea —“ muitas vezes dentro do processo de desmaterialização artística, das práticas conceituais empreendidas a partir dos anos 1960, das hibridações no campo da linguagem e da incorporação da dimensão do tempo e do processo em seu fazer —“ trouxe não só questionamentos em relação às questões simbólicas e ao entendimento que tínhamos sobre a arte, mas também indagações sobre as práticas arquivais habituais.
Dentro desse contexto da produção artística, que vai para além da arte objetal, e de uma arte da presença, tão característica dentro das diferentes vertentes da arte contemporânea, os vestígios, os traços e os documentos residuais passam, em alguns casos, a fazer parte da —˜operação—™ intrínseca da própria obra. Nestes casos, não se trata de reduzir a obra a seus documentos e registros, mas de perceber que existe certa operação —˜arquival—™ inerente à arte contemporânea.
Por outro lado, mas não menos importante, entender o arquivo como um processo vivo implica necessariamente abrir a possibilidade para o entendimento de que é sempre possível a construção de outras narrativas para além das hegemônicas, e de novos e diferentes olhares em relação à história e à história da arte. 
É dentro dessa perspectiva que se inscreve o projeto Arquivo Vivo. Para além de entender o arquivo como um depositário morto de documentos, o projeto abre espaço para a reflexão e o entendimento da obra de arte e da própria história como um fazer constante.
Integram a coletiva trabalhos dos artistas Berna Reale (Brasil), Christian Boltanski (França), Cristina Lucas (Espanha), Edith Derdyk (Brasil), Eduardo Kac (USA/Brasil), Hiraki Sawa (Japão), Ivan Navarro e Mario Navarro (Chile), Letícia Parente (Brasil), Lucas Bambozzi (Brasil), Mabe Bethônico (Brasil), Marilá Dardot (Brasil), Masaki Fujihata em colaboração com Frank Lyons (Japão), Nicola Costantino (Argentina), Pablo Lobato (Brasil), Paula Garcia (Brasil), Raquel Kogan (Brasil), Regina Parra (Brasil), Rejane Cantoni e Leonardo Crescenti (Brasil), Rosangela Rennó (Brasil), Vesna Pavlović (Sérvia), Voluspa Jarpa (Chile) e Yinka Shonibare MBE (Inglaterra).
*Arquivo Vivo é uma exposição que resulta da pesquisa de pós-doutorado realizado junto à Penn State University (EUA) em 2012.
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