“A queda do céu”

Visitação

30/03/2015 a 05/07/2015

Obras de Anna Bella Geiger, Cildo Meireles, Claudia Andujar, Jimmie Durham, Harun Farocki, Leonilson, Matheus Rocha Pitta, Miguel Rio Branco, Maria Thereza Alves, Matheus Rocha Pitta, Regina José Galindo, Orlando Nakeuxima Manihipi-theri, Paulo Nazareth, Paz Errázuriz e Vincent Carelli.

O título desta exposição é referência explícita ao livro do xamã yanomami Davi Kopenawa, escrito em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert e publicado originalmente na França (La chute duciel, 2010). No livro, Kopenawa apresenta a cosmogonia que rege as crenças de seu povo —“ fundada em intricada e instável relação entre humanos, floresta e espíritos —“ e narra as ameaças a estes fundamentos de vida que resultam das ações predadoras do —œhomem branco— ao longo de séculos. 

Ações como a mineração que, movida pelo lucro desmedido e imediato, danifica e contamina solos e rios; como o desmatamento incessante que desmancha ecossistemas inteiros;como a construção de barragens que desviam ou secam cursos d—™água;ou ainda a introdução, por vezes intencional, de doenças que devastam populações indígenas sem defesas para males que sequer conheciam. Ações que atingem inúmeros outros povos nesse pedaço de mundo que o processo de colonização passou a chamar de Américas, e que tem tradução simbólica no ingresso forçado de crenças religiosas pertencentes a tradições distantes e distintas. Ações brutais que, em última instância, visaram e visam a apropriação patrimonial das terras que os povos ameríndios habitam, levando-os a uma situação de despossessão absoluta que os priva do território físico e simbólico ao qual pertencem.Para além da denúncia, o relato de Kopenawa é também de alerta para as consequência últimas das violências sofridas pelo povo yanomami e por tantas outras etnias, as quais atingirão, mais cedo que tarde, a todos os que vivem na Terra. Segundo a narrativa exposta no livro, o extermínio continuado das populações indígenas e de seus xamãs por epidemias, pela destituição de seus meios de sobrevivência ou por mero assassínio impede que estes possam evocar os espíritos (xapiris) que os habitam e assim conter a instalação do caos em um ambiente constitutivamente conflituado e entrópico. Enfraquecidos e em pouco número, os xamãs são cada vez menos capazes de se contrapor às forças contrariadas pela destruição progressiva das condições de existência no planeta. Como resultado, ensina a mitologia yanomami, o céu que cobre e abriga todos será progressivamente fraturado, ao ponto de um dia desabar sobre o chão, marcando o fim de um tempo e de todas as formas conhecidas de vida.De modos variados, essa profecia de um término para o que existe aparece nos modos de entender o mundo de vários outros povos ameríndios. A queda do céu é construção simbólica que assinala a fadiga insuportável imposta a um ecossistema instável, que faz com que a própria Terra reaja de maneira desesperada e por vezes violenta. Ao fim e ao cabo, Gaia cobra de todos a impagável conta. Esta exposição não tem a desmedida pretensão de conter as tantas questões envoltas na ideia de um céu em queda por ter sido deliberadamente enfraquecido pelos atos de ganância e ódio que ancoram os modos hegemônicos de se relacionar com um lugar de vida partilhado por tantos. Ela quer, contudo, aproximar e articular trabalhos artísticos que prenunciam, evidenciam e combatem a progressiva despossessão sofrida por populações indígenas iniciada em seu contato involuntário com o colonizador branco: aquele que lhes quis e ainda quer subtrair a sua condição de humanos, e que não suporta o convívio com a diferença. A mostra apresenta trabalhos oriundos de partes distintas das Américas menos como inútil tentativa de abarcar um território imenso e diverso e mais como vontade de amolecer fronteiras políticas que nada significam para aqueles que têm há mais tempo sofrido com o desabar progressivo do firmamento.Trabalhos que afirmam, ademais, que ao lado e ao largo das violências que os atingem por séculos, os povos ameríndios adotam formas desesperadas de resistir à morte lenta ou imediata que lhes é imposta. De resistir ao fim de seu mundo, que é também o mundo de qualquer um. Resistências que vão do confronto físico à reza, em arco amplo de gestos em que alguns artistas não-indígenas (poucos, ainda) se tornam parceiros solidários na luta daqueles para que o céu não caia.
Moacir dos Anjos é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, no Recife (PE). Foi diretor do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM (2001- 2006) e pesquisador visitante no centro de pesquisa TrAIN —“ Transnational Art, Identity and Nation, University of the Arts London (2008-2009). Foi curador do pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza (2011), curador da Bienal de São Paulo (2010), co-curador da Bienal do Mercosul, PoA (2007) e curador do Panorama da Arte Brasileira, MAM SP (2007). 
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