A quarta cor

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24/04/2009 a 22/06/2009

A Quarta Cor é uma reflexão que parte da tentativa de se criar mentalmente uma quarta cor primária. Busca levar a imaginação a um momento inerte de ação, a um ponto neutro.

—œEspera até se afastar um pouco do lado errado, e volta espera. Torna a respirar como humano, duplica a vontade de dormir, espera (…) Agora escuta:—Em carta ao amigo distante, Cristiano Lenhardt conduz histórias de uma vontade antiga. Quer chegar ao lugar preciso do sonho em que a luz ganha uma quarta cor primária, não por justaposição nem por adição, mas pelo pacto que fazem seu olhar sublime e os vazios fracionados que intercalam vermelhos, azuis e verdes. O hiato entre corpos referenciais é campo para o experimento científico-ficcional que o artista agora vive. E, intuitivamente, como de praxe, explora, rascunha, revela, livra-se pouco a pouco do mistério.

Neste hiato entre opostos e complementares, embora nem sempre, pode residir a utopia imagética da criação original; podem unir-se calafrios individuais em um mesmo dispositivo de percepção e entendimento; pode-se, entre começo e fim tão próximos, perceber a memória como ato presente e praticar uma dimensão infinita —“ talvez nostálgica, talvez futurista, talvez, ou, quase sempre, fugidia e auto-centrada —“ para o estar. A invenção de um novo estado-cor se apresenta como problema a que o artista procura responder com um percurso próprio de hipóteses, métodos e superfícies de trabalho. Em vídeo, entre paredes paralelas, constrói as etapas de um cubo de cores frenéticas. Com ele, acredita poder fundar não apenas um evento projetivo, mas um ambiente eletromagnético penetrável, um não objeto capaz de conter a escala humana entre repulsa e fascínio orgânicos. Quais seriam os efeitos de uma imersão total? O olho responde em lugar da mente; supõe, relembrando animês, continuando uma construção poética e política orientada pela e para a beleza. Abundante. Ostentadora. Letárgica. O cubo vibra ainda em protótipo de apenas uma face. Sua ótica faz crer que, rebatido espacialmente e dimensionado em grandes proporções, possa paralisarqualquer movimento em reação a si. Expandir, quem sabe, a zona de permanência numa experiência sensível, naquele hiato —œx— de entendimento e cumplicidade. O desenho e a gravura são investigados baixo a mesma suposição. Mediante ambas as tecnologias projetual e vestigiosa, Cristiano equipara manchas em carvão e tinta e observa o que sugerem seus limites.Procura traduções em folhas maiores para a ordem de refração e leitura que tem em mente. Destitui-se da habitual narrativa de personagens míticas e da construção de cenas que as representem ética e esteticamente. Seus interesses agora são as propagações e a existência iconoclasta da cor. 
Formalismo mântrico tangente aos planos, às perspectivas, aos comportamentos da matéria. A cor, neste experimento, é designada por seu brilho regular, apenas, capaz de banhar indistintamente, rebater e prolongar os mesmos caminhos sem coordenadas. A quarta cor é um segredo que se lança à toda sorte de performatividade. Assim o artista a enxergou antes do amanhecer e a fez verdade a ser pronunciada para cada um, daqui por diante. Para vê-la e torná-la tua, portanto, subtrai, silencia. Espera. Permanece. Faz-se prova de amor pelo intervalo que te cabe.
As etapas d—™A quarta cor, por Ana Maria Maia
COMEÇO
─ A seguir trago alguns trechos em torno das investigações de uma quarta cor, os quais foram encontrados em livros médicos, livros de auto-ajuda, livros infantis, livros de botânica, livros de romance, livros de filosofia, livros de ficção científica, entre outros. Apesar de a hipotética quarta cor ser alvo de pesquisas científicas, a literatura parece ser o 
principal campo que a investiga. Ai vai o primeiro: —œColorindo mapas, em 1850, o matemático francês Frabricius D—™avignon desenvolveu uma teoria em torno daquilo que poderia ser uma escala cromática espacial. Em seu livro Fabricar Sombras, o autor francês escreve: Há muito tempo persigo essa cor, ela lembra a carne das romãs, os olhos gateados de Suzana e o tártaro dos dentes de Laura. Mas essa cor não é a mistura destas outras três, ela é a lembrança.— (Enciclopédia Brüster) 
─ Qual a imagem da lembrança? Seria a lembrança uma imagem? Ou seria, assim como na gravura, o resultado de uma marca, mais física e menos cênica, a revelação de um corpo não mais presente? 
─ A cor complementar é o negativo da presença. A ausência da emanação é a gravura fugaz do seu complementar. Tudo isso consta no olho. Eu posso criar uma lembrança?
─ Acho que pode. 
─ Em alguns dias, a imagem da lembrança é um leite quente com café espumoso indo de uma xícara pra outra. Certas vezes são as moças bonitas que caminham num largo corredor de um prédio quadrado, sorrindo com seus grandes dentes e olhos pardos. Raramente, é o cheiro de roupa velha em guarda roupa com respiradouros redondos. Sempre é o gosto do último cigarro da noite. E em ocasiões especiais e em datas festivas é cor viva de parede de madeira.
─ Eu posso lembrar o futuro. Meditar é lembrar o nada?
MÉTODO
─ Vocês já foram hipnotizados? O que viram? 
─ Numa noite de inverno, na sala de minha casa, em 2000, fui hipnotizado, quando zapeava os canais de televisão. Uma pastora loira e de baixa estatura proferia frases densas e não compreensíveis, mas o som de sua voz rouca e a luz do ambiente, o qual parecia um palco de programa infantil, me levaram a um estado de hipnose profunda. Comecei, então, a salivar e perder o olhar. Não lembro do que vi, mas guardo a estranha sensação de calmaria. Perdi a noção de tempo e espaço. Ao retomar a consciência, liguei imediatamente para um 0800 que  aparecia na tela da TV. Escutei a seguinte gravação: —œO mar e o céu são as virtudes do espaço. Quando juntos são Deus—. Acho que sou suscetível a este tipo de experiência sensorial.
─ Algumas perguntas, talvez sem resposta: Qual o método pra ciência livre? Como a ciência pode proferir verdades poéticas? 
─ A criação não é exclusividade do campo das artes. O ser é um método. A ciência não é livre.
HIPÓTESE I: IMAGENS POSSÍVEIS
─ Outro trecho: —œJoão construiu um barco para atravessar todas as cores de seu quintal. O barco era feito de pétalas de flores e seus remos eram dois gafanhotos verde-manhã. João era muito pesado para o barco, mas, em sonhos, navegava por toda a extensão cromática de sua casa.— (O jardim de João)
─ Extensão cromática. Um dado impreciso, subtraído. Talvez só na contenção de uma construção cênica e imagética se possa sugerir uma ideia de infinito. Recriar o todo particular que cabe nos vastos intervalos da imaginação.
─ Esse todo particular contém a imensidão. 
─ O plano magnético é a primeira das coordenadas de um espaço tridimensional. Seria o infinito uma busca? Através dele, onde podemos chegar? Por quanto tempo? 
─ Através da experiência fictícia do plano magnético, podemos chegar à conclusões sobre nossa incapacidade de criar algo genuinamente novo. Mesmo que em pensamento. Sabe aquela sensação de revirar o puzzle para tentar montar a imagem novamente? Acontece nesse caso que ela se desfaz porque não é concreta ou matérica! De fato, ela não existe. 
─ O todo é a ausência do tempo? 
─ Talvez por perder o imperativo dos intervalos, das formas conhecidas, das vozes familiares. Sem começo nem fim necessários, crescem as possibilidades de deriva, cresce a capacidade de permanecer.
HIPÓTESE II: COMPORTAMENTOS DA MATÉRIA 
─ Um trecho de Francis Maulraux, Colorem: —œEm 1920, o governo Japonês encontra um pequeno caderno, composto por folhas rosa de papel finíssimo, o qual contém escritos indecifráveis e desenhos de maquinários estranhos. A única leitura possível desse compêndio poderia ser traduzida para o português como: —œNenhuma luz nessa tela iluminará vocꗝ.—
─ Que bonito. Próximo ao trabalho de que falamos por ser também um vestígio e por posicionar a cor como ato luminoso, que sempre precisará ser emitida e recebida por alguém. Vejo isso claro nas primeiras experiências em desenho, em que a matéria escolhida —“ seja carvão, grafite ou tinta de gravura —“ refrata, absorve ou confunde o olho de quem vê. Em todos os casos, existe um pacto de comunicação de duas partes.
─ Como o andar do esquadro sobre a régua. Como um desenho a mão livre. Penso a exposição como um arranjo possível em voltas ao pensamento, uma construção de uma história de vários elementos para, através dela, tatear uma reflexão. 
FIM
─ Adaptações noturnas da mente: —œO espécime de Branquiseas Falitas foi encontrado nos desertos de regiões de ventos contra-alísios. Devido às adaptações climáticas, a sua flor tornou-se noturna. Conforme as ilustrações de Triste, podemos observar que as suas pétalas são compostas por películas transparentes de cor misteriosa.— 
─ A beleza adapta a mente? Educa? Satura? Toda beleza é contemplativa? 
─ A contemplação limpa o campo. Estabelece o inconstante. A beleza mais me parece uma atribuição. 
─ Pode ser. Mas de que modo ela se faz imperativa? Que ações coletivas pode provocar? Além da beleza, outra referência bastante utópica costuma nortear o trabalho de que estamos falando, o futuro. Em ambos os casos, existem desejos expressos em sua inviabilidade. Como essas ideias —“ de beleza e de futuro —“ e a condição posta para elas podem sugerir ações? 
─ Porque futuro? Talvez seja melhor tempo. Intemporal. E beleza, não vejo este trabalho tratando disso. 
─ Como recuperar futuros (no sentido do que poderia ter sido) no passado?! 
─ Tornando a experiência dele —“e para este entendimento podem ser levadas em consideração tecnologia, discurso, beleza —“ presente, presente, presente, presente. 
Governo do Estado de SP