A Casa

Visitação

10/09/2007 a 07/10/2007

O trabalho consiste no jogo entre três elementos: pinturas em grande formato representando cômodos domésticos, móveis e objetos dispostos no espaço em relação direta com as pinturas, e uma animação na televisão da sala d’A Casa, em que os objetos da instalação ganham movimento.

Alan Fontes é um artista que pesquisa a linguagem pictórica na era da imagem técnica. Em um contexto pós-industrial, a pintura se caracteriza como pós-produção: vale-se do repertório cultural para resignificar, recombinar e reprogramar elementos da história da arte e do cotidiano. Trata-se de uma reciclagem estética que dá sentido e aumenta a sobrevivência dos objetos culturais que habitam em excesso —“e, portanto, em contínuo processo de esquecimento—“ o imaginário contemporâneo. Uma —œmicropirataria—, para usar um termo de Nicolas Bourriaud —“o teórico da —œpós-produção——“, está em curso na instalação —œA Casa—, que Alan Fontes apresenta no Paço das Artes. A escolha da casa como objeto de sua investigação já demonstra de saída o partido adotado pelo artista. Interessa a ele o que nos é familiar. Interessa corromper a assepsia do espaço expositivo com uma ambientação com a qual todo visitante pode se identificar: mesa, sofá, televisão, estante com objetos comuns, vasos de planta, brinquedos, tapetes, cadeiras e… quadros. A pintura de Alan Fontes não existe fora desse ambiente construído; ela se apresenta aclimatada na intimidade do espaço (re)conhecido; ela se dá a ver não como obra de arte hermética a ser decifrada ou rechaçada, mas sim como uma peça integrante do universo compartilhado e, portanto, nos captura desarmados, nos convida à aproximação.Mas ao primeiro impacto, de reconhecimento, segue-se um outro, de desvio da esfera do familiar. Todos os ambientes da casa e os objetos que os ocupam são pintados de cinza. A cor aparece apenas nas pinturas e, sub-repticiamente, como ruídos em meio ao acinzentado, em uma lâmpada verde de um abajur ou em um ou outro móvel. —œA Casa— contém algo de estranho ou sinistro, porque as pinturas se destacam como algo mais real do que os móveis em sua materialidade pseudo-real. Desse modo, os cômodos dessa habitação desviante levam o observador a reconhecer o familiar na planaridade da tela que representa a casa em detrimento de identifica-lo na tridimensionalidade dos objetos caseiros. O contraste entre um registro e outro desequilibra a experiência da obra.Um percurso que oscile entre habitar o espaço e habitar a pintura nos leva a desvelar as micropiratarias contidas nas telas: um arranjo de bichos de pelúcia nos remete à obra de Annette Messager; uma almofada jogada sobre um sofá encena uma padronagem de Beatriz Milhazes; os ímas de geladeira formam uma pequena exposição coletiva de obras consagradas; inúmeros auto-retratos de Alan Fontes estampam as paredes dos diferentes cômodos. Essas e diversas outras reprogramações do arquivo morto da cultura ocidental renascem na investida pós-produção do artista.Interessante notar, como uma dobra conceitual na produção de Alan Fontes, as reciclagens culturais que o artista empreende entre uma e outra montagem de seus trabalhos. A própria produção do artista está sujeita a reprogramações. Fecha-se, assim, um ciclo ecológico de extrema coerência. Estamos diante de um criador que não infesta o mundo de novidades mas, antes, preocupa-se em dar uma destinação digna ao repositório de novidades postas no mundo por todos os criadores que o antecederam. Pensando com Félix Guattari, podemos dizer que Alan Fontes exercita em seu trabalho as três ecologias (mental, ambiental, subjetiva) preconizadas pelo filósofo francês como um novo paradigma estético-ético-político, o da —œecosofia—.

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