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08/05/2012 a 01/07/2012
Veja entrevista concedida por Daniel Caballero a Marcio Harum entre fevereiro e março de 2012
Do cerrado dos campos de Piratininga
Daniel Caballero em entrevista concedida por e-mail a Marcio Harum entre fevereiro e março de 2012:
MH: A tua formação é resultado direto do teu trabalho com a ilustração, Daniel. Como você explica essa passagem da ilustração ao campo da produção artÃstica na tua trajetória?
DC: Minha formação é decorrente de vários interesses, alguns mais dificeis de associar à minha produção, como por exemplo jardinagem. Sempre tive interesse em jardins, e aprendi a desenhar a partir de estudos com plantas.
Muito jovem conheci o trabalho de alguns dos naturalistas famosos, Rugendas, Frans Post, Debret, Albert Eckhout, e estudei muitÃssimo as aquarelas da Margareth Mee por exemplo. Posteriormente vim a trabalhar com ilustração e design, e o que me interessa nesse campo é o registro da memória visual. Pode-se entender bastante do contexto de uma época, apenas observando os seus desenhos e objetos, e isso alimenta o meu repertório de possibilidades como artista.
Especificamente neste trabalho para o Paço das Artes, me apropriei do conceito naturalista, para trabalhar com o projeto de uma instalação que conta com desenhos que partem dessa carga de informação, ao debater assuntos que não estão contidos na ilustração botânica, ou cientÃfica.
MH: Ã partir de percursos urbanos, para o teu trabalho no Paço das Artes, surgem desenhos e mais desenhos sob o teu olhar bem particular, e formam um conjunto de vistas absolutamente irreconhecÃveis e corriqueiras da cidade. Como se dão essas andanças?
DC: Procuro exotismo no meu cotidiano. Tento usar estratégias para sair do que me é familiar. Mudo meus horários em relação aos de costume, para observar a cidade, sem participar. Saio, vou até algum ponto da cidade e fico parado como se estivesse numa pescaria, esperando ‘fisgar” algo fora da ordem. Minhas rotas habituais, ocupam uma área reduzida da cidade, e me desloco para locais que não conheço tentando me perder. Essas tentativas de Aventura, de deriva e de buscar novidades, apesar de divertidas, se demonstram não essenciais.
No fim, todos os espaços da cidade, do centro até a periferia, são igualmente recortados e destinados a alguma finalidade pro trajeto.
Dentro desses espaços, existem elementos ou situações sobrepostas ao acaso, coladas na paisagem. São presenças invisÃveis e atuantes na rotina diária da população local. Então por fim, acabo explorando o meu entorno, e uso meu olhar para aproveitar o que se apresenta a minha frente.
MH: Esmiuce por favor o teu processo de olhar o entorno, o da edição de pontos da cidade que vão merecer a captura de imagens e o natural desdobramento com a realização dos desenhos.
DC: Meu trabalho surge do interesse em entender como ocupamos os espaços da cidade, tal qual o momento no qual por exemplo, quando determinamos como queremos as paredes das nossas casas ou como percebemos como as ruas a nossa volta se transformam, se desenvolvem.
Comecei o processo de observação para essa pesquisa, aonde descobri diferentes hierarquias entre os elementos da paisagem. Como aparentemente nada é construÃdo sem motivo, estão presentes em meu trabalho esses mesmos elementos, que são construÃdos com um propósito claro na sua função e importância para a vida coletiva.
Mas existem outros elementos que são subprodutos da movimentação da cidade por força da flutuação financeira do mercado imobiliário, ou resultantes de sobreposições de ideias antagônicas. Muitos desses elementos acabam por se perder, não tornam-se uma coisa nem outra, formam uma nova espécie, ou categoria de objeto disfuncional.
No desenvolvimento do ambiente artificial, as áreas de vegetação em geral são tratadas como elementos secundários da paisagem, talvez por que de certo modo a cidade não precise mais dessas áreas para desenvolver-se.
Como as pessoas que vivem nas cidades precisam dessas áreas, a natureza há de ser construÃda. Utilizo os desenhos para registrar objetos e esculturas que sintetizam sequências de acontecimentos, e com isso investigo a diferença entre o que é natural (algo independente da intervenção humana) e o que é a natureza construÃda (o que passa a existir para atender as nossas necessidades urbanas).
MH: No teu trabalho há uma perspectiva histórica relutante no traço observatório do desenho de natureza (Debret, Rugendas, e mais), que começa a surgir discretamente. Como você define este acontecimento em função da tua produção artÃstica recente depois de longa experiência com a ilustração?
DC: Veja, os desenhos surgiram como uma pratica autêntica de entendimento do espaço urbano. Sem trocadilhos, mas foi um processo “natural” e não um acontecimento, sempre uso desenho no meu processo de criação. Procurei fazer o mesmo que os viajantes naturalistas, mas em um ambiente artificial e sem as constantes longas viagens.
O ato contém propositadamente ironia e subversão, desrespeito em perspectiva o colonialista arrogante olhar europeu que se valia de artistas para sua metodologia de domÃnio na coleta sistemática de informações. Hoje sabemos pelo distanciamento histórico, como aquele olhar era pouco cientÃfico e sim mercantilista, seguramente.
Portanto, trata-se de um método com verniz de propriedade, mas comprovadamente falho e que o utilizo para mostrar coisas e atos falhos. Os meus desenhos respeitam os procedimentos do naturalismo, mas emprestam uma memória visual de época hibridizada, que denuncia tratar-se de desenhos atuais.
MH: A que propósitos servem o teu trabalho para a edição e agrupamento de imagens e desenhos? Como você chegou a necessidade de ter uma instalação e não simplesmente uma série de desenhos como projeto de exposição para a Temporada do Paço? Não te parece que pode estar aà incluÃdo algum efeito colateral da cultura de editais? No que realmente se baseia este teu projeto instalativo?
Acho que já respondi essas indagações e não quero ser redundante. Para complementar se ajudar, digo que sou um artista que pensa prioritariamente a instalação, muitas vezes em site-specific. De fato os desenhos podem ser autônomos, mas já os havia experimentado assim e tinha outras ideias em mente.
Se pensarmos talvez o conjunto como um gabinete de curiosidades, onde as esculturas, as amostras e os desenhos façam parte de um mesmo tema único de estudo, se consiga visualizar mais facilmente a proposição. Sinceramente, não entendo muito de editais, apesar de já ter me inscrito em alguns, só levei a sério mesmo este do Paço, e foi de tanto alguns amigos artistas insistirem comigo de sua importância. Achava a tarefa chata, ter que preencher formulários e documentos, mas estou começando a pensar que é uma boa opção de ganhar visibilidade, sei lá—¦estou tomando gosto.
MH: Aonde você assume que está a imaginação de Viagem Pitoresca através do espaço ao redor da minha casa, tÃtulo do teu projeto para a Temporada do Paço das Artes em 2012?
DC: Realizar o trabalho tendo como o ponto de partida a vivência dos procedimentos dos artistas naturalistas de séculos atrás na atualidade da experiência da complexa malha das dificuldadades ubanÃsticas da São Paulo dos dias de hoje, já contém uma boa dose de imaginação por si só. Ã quase como brincar de Tim Tim, e o resto é apenas consequência.
MH: Estou bastante satisfeito por agora com o andamento da entrevista. Seguimos com o acompanhamento crÃtico. Com um abraço do Marcio