Visitação
01/04/2003 a 20/04/2003
As telas do artista são compreendidas como estruturas dinâmicas, sistemas instáveis e de incerta harmonia, onde a ação semi-aleatória dos elementos desencadeia uma quieta reflexão sobre a temporalidade e o registro da própria fatura.
à no campo da abstração que transcorre a pesquisa pictórica de Manoel Veiga, configurando uma trajetória que parece ter alcançado, na presente produção, uma qualidade de originalidade que reafirma o grau de experimentação em sua prática.
O artista chega a uma solução pictórica em que se vale de um processo prosaico e peculiar, por via do qual elabora suas composições atacando o suporte diretamente sobre o plano do chão. Tal decisão constitui um artifÃcio para anular a ação da gravidade, permitindo assim que a refinada solução de pigmentos de acrÃlica – previamente preparada e que Veiga “conduz” aplicando borrifos d’água – se disperse por difusão sobre a tela, avançando sobre a mesma de maneira incerta, quase aleatória. O artista passa, portanto, a operar com pouco controle sobre o resultado final, numa situação de “acaso controlado”. Um fator de risco, talvez, mas que reserva a possibilidade de se obterem composições de imprevisÃvel beleza: a emulsão evanesce e sedimenta-se contra o campo branco da tela, só então revelando o que se configura como a obra acabada. A noção de fluidez, que já se apresentava como recorrente na poética de Veiga, é agora investida de uma interpretação quase literal.
São peças que parecem investidas de uma qualidade estranha à noção convencional de pintura, assemelhando-se a monotipias artificiais de etérea presença, por vezes aludindo à fria sofisticação de imagens digitais. Evocam uma cartografia onÃrica, de padrões e gradientes imprecisos; e a incidência, aqui e ali, de estruturas semelhantes a fractais aproxima sua fatura de uma abordagem pelo viés de aspectos da fÃsica – especialmente a mecânica quântica -, interesse constante do artista. Um dado que adquire relevância quando pensado como elemento potencializador de leituras sobre a produção de Manoel Veiga: suas telas passam a ser compreendidas como estruturas dinâmicas, sistemas instáveis e de incerta harmonia, onde a ação semi-aleatória dos elementos desencadeia uma quieta reflexão sobre a temporalidade e o registro da própria fatura.
* Manoel Veiga foi artista convidado para a Temporada de Projetos 2003